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«O Profeta» – Para além do bem e do mal

Por vezes subestimamos a animação e rotulamo-la de infantil, quer para o bem, quer para o mal; mas esquecemo-nos que o seu caráter alegórico pode ser tão ou mais poderoso do que qualquer filme de imagem real. E é isso que acontece com O Profeta, de Roger Allers, que através da colaboração de alguns dos maiores nomes da animação como Bill Plympton (Idiots and Angels, Cheatin‘), Tomm Moore(The Secret of Kells), Joan C Gratz (Mona Lisa Descending a Staircase), entre outros, consegue, simultaneamente, transmitir uma mensagem intemporal sobre o amor, a morte, a família, o trabalho, como nos deslumbra com segmentos de animação verdadeiramente mágicos. É um filme que exige uma mente matura, não sendo de fácil compreesnão para uma criança, e é talvez devido a esse aspeto que o filme não consegue encontrar equilibrio entre forma e conteúdo.

O Profeta, baseado na obra homónima de Khalil Gibran, conta a história de Mustafa e do seu último dia na terra de Orphalese, onde vive imprisionado. Com receio dos seus ensinamentos e de uma revolução, o governo local conspira para afastar Mustafa da população.

É difícil escrever sobre este filme porque se, por um lado, a sua mensagem é de uma beleza extraordinária, por outro, a sua execução deixa um tanto a desejar; e isto é por demais visível durante as cenas principais do filme. Uma das razões mais evidentes para esse facto, foi a escolha de uma técnica que, pessoalmente, não aprecio muito; e não porque a ache má, mas porque, simplesmente, não se enquadra no estilo do filme.

O toon shading (ou cel shading) é uma técnica muito comum nos videojogos, mas tenho reservas quanto à sua aplicação num filme de animação. Ela consiste em criar a ilusão de uma personagem em duas dimensões a partir de um modelo 3D. Essa falsa bidimensionalidade acaba por roubar muito à imersão do filme, particularmente porque se torna evidente que são personagens 3D que habitam uma história que não justifica de forma alguma a sua utilização. O filme contém cenas belíssimas de animação tradicional – destaca-se, em particular, a cena que retrata o trabalho – e durante o filme perguntava-me porque decidiram optar pelo toon shading quando se pedia uma animação mais tradicional.

No entanto, não se trata apenas de uma questão de desenho, as personagens parecem, por vezes, desprovidas de emoção, com olhares dormentes e os seus movimentos toscos que se tornam forçados devido à péssima implementação do 3D. Questões orçamentais? Falta de tempo? Qualquer que seja a razão, o filme perde muito da sua credibilidade por isso.

Há aspetos, no entanto, que redimem algumas das más decisões na produção do filme. A banda-sonora, composta por Gabriel Yared (O Paciente Inglês), é simplesmente hipnotizante. Os arranjos instrumentais, as vozes, incluíndo a de Damien Rice, emprestam às sequências de animação uma vitalidade deslumbrante que pedem para ser ouvidas novamente.

Quanto aos atores que emprestam as suas vozes às personagens, destaca-se Liam Neeson como Mustafa. A sua voz característica, profunda e carinhosa, é perfeita para refletir a sabedoria de Mustafa. Salma Hayek, no entanto, que assume, também, o papel de produtora do filme, revela-se desinspirada e inexpressiva, retirando muito da empatia que senti de início com Kamila, a sua personagem. De resto, Alfred Molina consegue, também, uma boa interpretação, como é habitual quando interpreta vilões, no papel do sargento rancoroso.

Apesar dos seus problemas, O Profeta é um filme que vale a pena ser visto. Sim, a sua mensagem é baseada no famoso livro de Khalil Gibran, mas as cenas que retratam a mensagem do autor, que se distinguem claramente das de toon shading, são absolutamente mágicas. Aliadas a uma banda-sonora lindíssima, e a um bom elenco, o filme consegue transcender os seus defeitos.

Realização: Roger Allers
Argumento: Roger Allers
Elenco: Liam Neeson, Salma Hayek, Alfred Molina
EUA/2014 – Animação
Sinopse: Na ilha fictícia de Orphalese, uma menina travessa de oito anos, chamada   Almitra, conhece Mustafa, um prisioneiro político em prisão domiciliária. Deste encontro ao acaso, nasce uma amizade improvável. Mas, no dia fatídico em que se conhecem, as Autoridades informam Mustafa sobre a sua liberdade. De imediato, os guardas escoltam-no até ao barco que há de levá-lo até ao seu país natal.

Classificação dos Leitores1 Vote
3.5
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