Poucos atores, se é que algum, alcançaram o impacto de Marlon Brando na arte da atuação americana. Desafiando as convenções de Hollywood, ele se tornou um dos principais representantes de uma nova geração de atores do pós-guerra.
Seu carisma envolvente em papéis como Stanley Kowalski na adaptação de “Um Eléctrico Chamado Desejo” (1951), de Elia Kazan, cativou o público e redefiniu o estilo de atuação.
A intensidade e naturalidade de suas performances contrastavam com a rigidez e artificialidade da época, abrindo caminho para um estilo mais autêntico e expressivo.
Método
Aluno dedicado da renomada professora de atuação Stella Adler, Brando adotou o Sistema Stanislavski para buscar a autenticidade em seus papéis, ao invés de estabelecer paralelos diretos entre sua própria vida e a do personagem.
Ao se aprofundar nas circunstâncias de cada cena e estudar detalhadamente as motivações de seus personagens, Brando trouxe para as telas interpretações naturais e intensas, que se diferenciavam das atuações muitas vezes teatrais e exageradas dos astros da Era de Ouro de Hollywood, como Cary Grant e Laurence Olivier.
O lado ativista
Marlon Brando foi uma voz poderosa em apoio a diversos movimentos sociais e políticos. Antes de sua ascensão no mundo do cinema após a Segunda Guerra Mundial, ele viajou pelo país em solidariedade à Liga Americana por uma Palestina Livre.
Nos anos 1960, ele se engajou ativamente no movimento pelos direitos civis, arrecadando fundos para Martin Luther King Jr. e participando da emblemática Marcha de 1963 em Washington por Empregos e Liberdade.
Brando também se aliou aos Panteras Negras, elevando o perfil da organização e oferecendo suporte financeiro.
Ele fez questão de prestar homenagem a Bobby Hutton, um jovem membro dos Panteras Negras, cuja vida foi tragicamente perdida em um confronto com a polícia de Oakland em 1968.
Consagração
A consagração de Brando veio com sua atuação magistral como Don Vito Corleone em “O Padrinho” (1972), de Francis Ford Coppola. Sua composição meticulosa do mafioso implacável, combinando força e vulnerabilidade, se tornou um marco na história do cinema e cimentou seu status como um dos maiores atores de todos os tempos.
Óscares
Ao longo de sua carreira, recebeu oito nomeações aos Óscares, sendo sete como Melhor Ator por “Um Elétrico Chamado Desejo” (1952); “Viva Zapata!” (1953); “Júlio César” (1954); “Há Lodo no Cais” (1955); “Sayonara” (1958); “O Padrinho” (1972) e “Último Tango em Paris” (1973), além de uma nomeação como Melhor Ator Secundário em 1990 por “Assassinato sob Custódia”.
A primeira vitória veio em 1955, pela atuação em “Há Lodo no Cais”, realizado por Elia Kazan, quando ganhou o prémio de Melhor Ator.
Em 1973, venceu novamente, dessa vez pelo papel de Don Vito Corleone em “O Padrinho”. Mas não compareceu à premiação. Em seu lugar, uma ativista de direitos dos povos nativos norte-americanos subiu ao palco e fez um discurso sobre o tratamento dado aos indígenas americanos pela indústria cinematográfica.
O discurso polémico
Como já destacado, em um dos momentos marcantes da história dos Óscares, Brando decidiu recusar o prémio de Melhor Ator por “O Padrinho” como um gesto de protesto e alinhamento às suas convicções. Em seu lugar, a ativista indígena Sacheen Littlefeather subiu ao palco para fazer um pronunciamento.
Apesar de Brando ter elaborado um discurso para denunciar os estereótipos de Hollywood sobre as populações nativas, o tempo limitado de 60 segundos que Littlefeather dispôs no palco não permitiu sua leitura. Diante disso, ela decidiu improvisar suas declarações.
Dexter Thomas resgatou no Los Angeles Times em 2015, que durante a 45ª edição dos Óscares em 1973, um impasse de um mês entre ativistas nativos americanos e autoridades dos EUA estava em curso em Wounded Knee, Dakota do Sul. O FBI impôs um bloqueio de notícias sobre a ocupação. Percebendo a transmissão dos Óscares como uma chance de contornar as restrições e dar voz aos ativistas, Brando optou por usar o momento para apoiar sua causa.
O plano de Brando deu certo, e cerca de 85 milhões de pessoas ao redor do mundo ouviram as palavras de Littlefeather. Seu discurso provocou uma reação mista de aplausos e vaias.
O ator John Wayne ficou tão incomodado que, segundo Littlefeather, quis avançar no palco e precisou ser contido por seis seguranças. Contudo, após o discurso, Littlefeather relatou ter recebido elogios de líderes do movimento nativo americano e de ativistas como Cesar Chavez e Coretta Scott King, viúva do Dr. Martin Luther King.
Pequenas participações
Mesmo sendo grandioso, ele não hesitava em explorar novos espaços ou formatos. Além de estrelar filmes aclamados, optou por participar de produções menos reconhecidas, como “Revolta na Bounty” (1962), de Lewis Milestone, “Don Juan DeMarco” (1994), de Jeremy Levene e “A Ilha do Dr. Moreau” (1996), de John Frankenheimer.
Pagando bem, que mal tem?
Depois de um breve hiato nos primeiros anos da década de 1970, Brando escolheu principalmente papéis secundários que ofereciam uma boa remuneração. Ele brilhou como Jor-El em “Superman” (1978), de Richard Donner, interpretando o memorável Coronel Kurtz em “Apocalypse Now” (1979), de Francis Ford Coppola, e em “A Formula” (1980), de John G. Avildsen, antes de se afastar do ecrã por nove anos.
De acordo com o Guinness Book of World Records, Brando estabeleceu um recorde ao receber US$ 3,7 milhões, o equivalente a cerca de US$ 10 milhões em dólares ajustados pela inflação, além de 11,75% do lucro bruto, por apenas 13 dias de trabalho em “Superman”.
Pausa e fim da carreia
Após sua atuação como o magnata do petróleo Adam Steiffel em “A Fórmula” (1980), de John G. Avildsen, que recebeu críticas negativas, Brando anunciou sua reforma da atuação.
No entanto, ele regressou ao ecrã em “Assassinato sob Custódia” (1989), de Euzhan Palcy.
Sua última atuação foi em “Sem Saída”, de Frank Oz, em 2001.
Em 2004, começou o projeto de dobragem de um personagem da animação “Big Bug Man”. Em julho do mesmo ano, ele morreu, aos 80 anos, em consequência de uma doença pulmonar.
American Film Institute e Time
O American Film Institute classificou Brando como a quarta maior estrela de cinema entre os atores masculinos cujas carreiras no cinema começaram antes de 1950.
Ele também foi um dos apenas seis atores nomeados em 1999 pela revista Time em sua lista das 100 pessoas mais influentes do século. Na lista, a Time também o reconheceu como o “Ator do Século”.
Em 3 de abril, celebramos o centenário de Brando. Em sua homenagem, selecionamos sete filmes dentre seus 50 trabalhos.
“Último Tango em Paris” (1972), de Bernardo Bertolucci
A trajetória de Brando no cinema não pode ser compreendida sem considerar este filme em particular. Desde sua estreia em 1972, ele tem sido objeto de intensos debates e também recebeu reconhecimento crítico significativo.
No filme, Brando dá vida a Paul, um hoteleiro americano profundamente afetado pelo trágico suicídio de sua esposa. Ele se vê irremediavelmente atraído por Jeanne, papel de Maria Schneider, uma jovem francesa que está comprometida com outro homem.
O relacionamento entre eles é estritamente físico, desprovido de qualquer envolvimento emocional, ao ponto de ambos não saberem sequer os nomes um do outro.
“Apocalypse Now” (1979), de Francis Ford Coppola
A atuação de Brando em “Apocalypse Now” sempre gerou debates intensos. Enquanto alguns argumentam que o filme perde seu equilíbrio com sua entrada em cena, outros veem no terceiro ato uma transformação que o eleva à condição de obra-prima.
Seja qual for a opinião, é inegável que a interpretação de Brando como o coronel Kurtz é um elemento que contribui para a natureza surreal, hipnótica e inquietante deste épico sobre a Guerra do Vietnã realizado por Francis Ford Coppola.
“O Padrinho” (1972), de Francis Ford Coppola
Quando nos referimos às performances inesquecíveis de Marlon Brando, é difícil encontrar uma que tenha deixado uma marca tão profunda na cultura pop quanto sua interpretação de Don Vito Corleone em “O Padrinho”.
Embora sua presença em tela seja limitada, ela é magnética e essencial para a trama densa e complexa deste clássico realizado por Francis Ford Coppola.
Brando retrata o patriarca de uma família ítalo-americana envolvida no mundo do crime, cujo domínio é desafiado por uma tentativa de assassinato. Seu filho Michael, interpretado por Al Pacino, é forçado a assumir o papel de sucessor, sacrificando suas aspirações de uma vida tranquila ao lado de sua esposa, Kay, papel de Diane Keaton.
“Viva Zapata!” (1952), de Elia Kazan
Uma das nomeações aos Óscares que Brando recebeu foi por sua atuação no drama “Viva Zapata!” (1952), que narra de forma ficcional a vida do revolucionário mexicano Emiliano Zapata. O filme aborda sua origem humilde, sua ascensão ao poder no início do século XX e sua morte.
O filme é um testemunho do compromisso de Brando com o Método. Esta dedicação foi destacada no documentário biográfico “Marlon Brando: The Wild One”, no qual Sam Shaw revela: “Antes das filmagens, Brando fez uma viagem discreta ao México, à cidade natal de Zapata, para estudar o modo de falar, o comportamento e os movimentos das pessoas locais”.
“Um Elétrico Chamado Desejo” (1951), de Elia Kazan
Quando Brando interpretou Stanley Kowalski em “Um Elétrico Chamado Desejo” (1951), baseado na obra de Tennessee Williams, ele criou uma performance que ficaria marcada na memória de muitos.
Esta atuação é muitas vezes citada como um dos momentos mais marcantes de sua carreira. O impacto foi imediato, catapultando Brando ao status de ícone de charme e presença magnética em Hollywood. Graças a esse desempenho, ele recebeu sua primeira nomeação ao Óscar na categoria de Melhor Ator.
“O Selvagem” (1953), de László Benedek
A imagem rebelde de Brando ficou eternizada em “O Selvagem”, um filme pioneiro sobre a cultura dos motociclistas.
No filme, Brando interpreta Johnny, o líder carismático de uma gangue de motociclistas que viaja até Carbonville para participar de uma competição. Todavia, eles são rapidamente expulsos da cidade e encontram refúgio em Wrightsville. Lá, o chefe de polícia Harry Bleeker, interpretado por Robert Keith, tenta conter os excessos do grupo.
A tarefa se torna ainda mais desafiadora com a chegada de uma gangue rival, liderada por Chino, o arqui-inimigo de Johnny, vivido por Lee Marvin.
Paralelamente, Johnny se envolve romanticamente com Kathie, filha do chefe de polícia, papel de Mary Murphy, o que o leva a repensar suas escolhas de vida fora da lei.
“Cinco Anos Depois” (1961), de Marlon Brando
Por anos, “Cinco Anos Depois”, o único filme realizado por Brando, permaneceu relegado a cópias em DVDs e VHSs de qualidade questionável, após entrar em domínio público.
Contudo, com o lançamento do Criterion Blu-ray, restaurado em uma parceria entre a Universal Pictures e a Film Foundation, o público atual tem a oportunidade de redescobrir este intrigante western.
No filme, Brando interpreta Rio, um bandido traído por seu comparsa, Dad Longsworth (Karl Malden), após um assalto a um banco no México. Dad foge com o dinheiro, deixando Rio atrás das grades, planejando sua vingança. Ao ser libertado, Rio parte para Monterey, Califórnia, onde Dad se tornou o novo xerife.
Entretanto, não é a posição de Dad na lei que dificulta os planos de Rio; é a presença de Louisa (Pina Pellicer), a nova enteada de Dad, que o faz repensar suas intenções.