Ao mencionarmos jornalismo, imediatamente nos lembramos da enérgica dupla de repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do clássico dos anos 70 “Todos os Homens do Presidente”. É difícil não associar o boxe aos golpes precisos e à energia do pugilista ítalo-americano, Rocky Balboa, da franquia “Rocky”. Bale sempre nos remete à disciplina e eloquência de Nina Sayers no intenso “Cisne Negro”. A área policial sempre será marcada pela química da dupla Martin Riggs e Roger Murtaugh do memorável “Arma Mortífera”. A medicina nos trouxe o Dr. Stephen Strange da Marvel e, queiram ou não, a arqueologia será sempre lembrada pelas aventuras do icônico Prof. Dr. Henry Walton Jones Jr., nosso querido Indiana Jones. Agora, quando o assunto é dinossauros e paleontologia, inevitavelmente vem à mente a nostálgica imagem do Prof. Dr. Alan Grant, da franquia “Parque Jurássico”.
A Paleontologia é a ciência que investiga os seres vivos do passado através dos seus restos mineralizados ou vestígios de vida encontrados em diferentes materiais, como rochas, gelo, âmbar e asfalto. Essa disciplina desempenha um papel fundamental na compreensão dos organismos que habitaram o planeta no passado, dos ambientes em que viveram, das interações entre eles e na análise da evolução das formas de vida e dos ecossistemas ao longo da história geológica. Portanto, trata-se de uma ciência histórica que abrange uma escala temporal de milhões e milhões de anos, utilizando registros biológicos, geológicos, geográficos e processos evolutivos armazenados de várias formas.
O foco central da Paleontologia é o estudo dos fósseis, que são os restos ou vestígios de organismos que existiram no passado e são antecessores dos seres vivos atuais. Esses fósseis possuem um valor científico inquestionável, pois registram as mudanças ocorridas ao longo de milhões de anos e permitem o desenvolvimento de uma compreensão estruturada da biologia evolutiva e da história da vida na Terra.
Antes do lançamento de “Parque Jurássico” em 13 de junho de 1993, o conhecimento paleontológico e sua divulgação eram predominantemente restritos a museus de história natural, institutos de geociências e biologia, centros de pesquisas e as salas das universidades. A pesquisa paleontológica ocorria nessas instituições, e seus resultados eram apresentados aos pares em encontros científicos e, posteriormente, publicados em revistas especializadas. A exposição pública à paleontologia era geralmente limitada a programas de televisão, especiais e documentários, principalmente os transmitidos em canais como History e Discovery.
Assim, de maneira geral, podemos afirmar que a paleontologia é comumente vista como uma das áreas mais singulares no âmbito científico. No entanto, essa percepção simplista tende a reduzi-la apenas ao estudo exclusivo de fósseis, relegando-a ao passado distante e trivial do nosso planeta, muitas vezes associada apenas aos dinossauros. Essa visão limitada dificulta o reconhecimento das aplicações práticas desse campo científico.
No entanto, o livro “Parque Jurássico” de Michael Crichton, seguido por sua adaptação cinematográfica encabeçada por Steven Spielberg, desempenharam um papel significativo na popularização do conhecimento paleontológico. O sci-fi pioneiro abriu caminho para a disseminação desse tema de extrema importância e para a compreensão de conceitos biológicos, geológicos e ambientais fundamentais para compreender a história da vida na Terra. Até então, a divulgação da paleontologia no cinema era escassa, e havia uma falta de abordagem científica apropriada no ensino, na divulgação e na disseminação desse campo.
Nessa perspectiva, apesar de suscitar divergências entre os cientistas, a abordagem estreitamente associada à obra de Spielberg possibilitou a disseminação didática de informações sobre fósseis por meio da mídia. Contudo, é lamentável que tais conceitos sejam frequentemente explorados de maneira sensacionalista, com foco excessivo em temas como dinossauros, por exemplo, enquanto outros tópicos relevantes, como a origem da vida e a definição e os diferentes tipos de fósseis, sejam negligenciados. Além disso, muitos professores, pesquisadores e divulgadores científicos enfrentam limitações no modo como essas questões são ensinadas, divulgadas e compreendidas pela população leiga.
Então, quais são as atividades específicas dos paleontólogos e por que seu trabalho é tão importante? No filme “Parque Jurássico”, temos uma breve visão disso ao acompanhar, no início do longa-metragem, a equipe do Prof. Dr. Alan (Sam Neill) e sua orientanda de doutorado, Ellie (Laura Dern), em uma escavação no Makoshika State Park em Glendive, Montana, que é um dos mais belos parques estaduais dos Estados Unidos. Nessa expedição, repleta de outros paleontólogos empolgados como crianças em um parquinho de diversões, somos apresentados a fósseis de velociraptores, carbono-14, caderneta de campo, bússolas, mapas, lupas, pinceis, martelos geológicos, majestosas montanhas com rochas avermelhadas e deslumbrantes desfiladeiros. Todavia, o público não tem uma compreensão clara de quem são e do que fazem esses paleontólogos.
Os paleontólogos são cientistas dedicados à investigação da história e dos mecanismos da evolução através do estudo de fósseis, que são os remanescentes preservados de organismos que viveram em épocas passadas. Esses profissionais desvendam informações sobre climas antigos, extinções e a evolução da vida por meio da análise de dados provenientes de ossos fossilizados, pólen ancestral e outras evidências. Ao fazer isso, eles proporcionam uma compreensão da história do nosso planeta, da evolução da vida e do nosso papel nesse contexto.
No extremamente didático “O que é paleontologia e o que faz um paleontólogo?” para a Discover Magazine, Sam Walters elucida que é comum que os paleontólogos se especializem em uma área específica de pesquisa. Por exemplo, há os micropaleontólogos, que estudam fósseis microscópicos, os paleobotânicos, como o personagem de Laura Dern no longa, que conduzem pesquisas sobre plantas fósseis, incluindo algas e fungos, os palinologistas, que estudam o pólen e os esporos, os paleontólogos invertebrados, que focam nos fósseis de animais invertebrados como moluscos e vermes, os paleontólogos de vertebrados, que se concentram nos fósseis de animais vertebrados, incluindo peixes, os paleontólogos humanos ou paleoantropólogos, que se dedicam aos fósseis de humanos pré-históricos e hominídeos pré-humanos, os tafonomistas, que estudam o processo de fossilização, os icnólogos, que investigam rastros e pegadas fósseis, como as pegadas de dinossauros, e os paleoecologistas, que utilizam fósseis, esporos, pólen e outras informações para estudar as ecologias e climas do passado.
Tais cientistas realizam o planejamento, a liderança e a execução de projetos de campo com o objetivo de buscar fósseis ou coletar amostras. Eles registram cuidadosamente os locais de escavação e conduzem escavações para desenterrar fósseis ou coletar amostras de núcleos de lagos, solo ou mantos de gelo. Em seguida, é necessário preservar os espécimes e prepará-los para transporte até uma instituição, onde serão limpos e estudados. Alguns paleontólogos trabalham em laboratórios, utilizando técnicas químicas para analisar amostras fossilizadas e pólen antigo. As descobertas são compartilhadas por meio da redação de artigos científicos e apresentações em conferências profissionais para a comunidade científica – Grant é conhecido como o autor de, pelo menos, dois livros populares sobre dinossauros. Nos filmes “Parque Jurássico” e “Parque Jurássico III”, suas obras são mencionadas pelos personagens Tim Murphy e Eric Kirby, respectivamente. Tim faz referência ao best-seller “Dinosaur Detectives”, escrito por Grant em parceria com Michael Backes.

Muitos paleontólogos precisam solicitar bolsas de pesquisa para apoiar seus estudos – No início de “Parque Jurássico”, John Hammond persuade o Dr. Alan Grant a participar de uma visita técnica ao parque temático, oferecendo uma generosa doação para dar continuidade à pesquisa conduzida por ele.
Também é comum que eles atuem como professores e pesquisadores em faculdades e universidades – Além de pesquisador, Grant é professor universitário. Na trama de “Parque Jurássico”, ele é orientador de pos-doc da Dra. Ellie Sattler.
Para muitos pode parecer insignificante debruça-se sobre isso, todavia, as descobertas feitas pelos paleontólogos têm o potencial de nos ajudar a compreender o passado e evitar repetições de eventos indesejáveis. Além disso, fornecem contexto para compararmos o estado atual do meio ambiente e da biodiversidade com os de períodos antigos e turbulentos.
O Museu de História Natural de Oklahoma ligado à Universidade de Oklahoma, detalha que a maioria dos paleontólogos está ligada a departamentos de geologia em faculdades e universidades, atuando como membros do corpo docente. Alguns trabalham em museus e outros são empregados por instituições de pesquisa geológica do governo, onde desempenham atividades como mapeamento geológico e investigação de questões geológicas. Há também paleontólogos que colaboram com empresas petrolíferas na busca por reservas de petróleo.
Dito isto, o artigo “Paleontologia: por que investir em pesquisas nesses tempos de crise?”, escrito pelo paleontólogo Alexander W. A. Kellner, pesquisador do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro da Academia Brasileira de Ciências, publicado no site Ciência Hoje, examina a situação da pesquisa paleontológica no mundo.
Nele Kellner, observa que, em termos de volume, o Brasil não está tão mal em relação à pesquisa paleontológica, perdendo apenas para a Argentina, que possui uma tradição estabelecida nessa área há bastante tempo. Além disso, a Argentina possui mecanismos de incentivo à paleontologia, nos quais os paleontólogos são contratados para acompanhar intervenções em terrenos nos quais há potencial fossilífero, como construção de estradas ou passagem de oleodutos. Caso descobertas sejam feitas durante essas intervenções, a empresa responsável é obrigada a custear a coleta dos fósseis. O país também oferece cursos específicos para a formação de paleontólogos. Esses fatores proporcionam aos profissionais argentinos boas oportunidades de trabalho, mesmo diante das dificuldades enfrentadas.
Kellner observa que a situação do estudo dos fósseis na Europa é peculiar. Por um lado, há muitas facilidades para obtenção de recursos financeiros para a pesquisa, mas, por outro lado, é mais difícil encontrar oportunidades de trabalho nessa área. Kellner detalha que, por exemplo, na Itália, a situação é bastante complicada, enquanto na Alemanha e França é um pouco melhor.
Em contrapartida, o pesquisador revela que nos Estados Unidos e Canadá, embora enfrentem problemas semelhantes aos países europeus, a dificuldade é significativamente menor, já que sempre é possível encontrar universidades ou museus interessados em desenvolver estudos sobre fósseis. Ele salienta que na China a demanda por pesquisa paleontológica está em crescimento, com investimentos consideráveis, e não há problemas significativos de emprego nessa área.
No contexto brasileiro, Kellner destaca que ainda há muito a ser feito, começando pela escassez generalizada de museus no país. Esse cenário limita as oportunidades para a pesquisa e divulgação dos estudos paleontológicos. Portanto, existem desafios a serem enfrentados para fortalecer e expandir a pesquisa paleontológica no Brasil, tanto em termos de infraestrutura quanto de apoio financeiro e incentivos para a formação de profissionais nessa área.
Por esse ângulo, no cenário português, um editorial publicado por Carlos Marques da Silva, pesquisador do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências de Lisboa, ressalta que há uma escassez de paleontólogos em Portugal. No entanto, o número está aumentando constantemente. E, é importante enfatizar que, para estudantes talentosos e profissionais qualificados, sempre há oportunidades de carreira satisfatórias.
Segundo Silva, para os interessados, a opção de carreira é atuar como pesquisador ou conservador de coleções de fósseis em museus de história natural, tanto em âmbito nacional quanto local, e em instituições de pesquisa científica. O pesquisador ressalta que há cada vez mais paleontólogos trabalhando em parques naturais, áreas protegidas e associados a monumentos naturais. Esses profissionais têm um papel essencial e altamente ativo na divulgação científica, valorizando a geodiversidade e o Patrimônio Natural (Paleontológico) Português.
O pesquisador também reforça que existem inúmeras oportunidades de carreira fora de Portugal. Além das mencionadas anteriormente, a profissão que mais absorve paleontólogos portugueses é, sem dúvida, a de micropaleontólogo na indústria de petróleo. Os micropaleontólogos desempenham um papel fundamental na datação das camadas rochosas que são perfuradas para a extração de petróleo. Sua presença em plataformas petrolíferas, por exemplo, é essencial durante as operações de perfuração.
Em resumo, o filme “Parque Jurássico” oferece uma visão emocionante da vida dos paleontólogos enquanto realizam escavações em locais remotos dos Estados Unidos. Embora o filme apresente monólogos científicos repletos de termos técnicos e teorias, além de posturas estereotipadas e caricatas, palestras universitárias e declarações genéricas à imprensa, é importante destacar que o trabalho desses profissionais vai muito além do retratado na película.
Assim como historiadores, antropólogos, sociólogos, biólogos, geógrafos, geólogos e arqueólogos, os paleontólogos são fundamentais para o mundo, pois exploram os segredos enterrados no solo com o objetivo de nos auxiliar a compreender o passado e iluminar o futuro. Suas contribuições vão além das aventuras emocionantes retratadas no filme, envolvendo uma ampla gama de atividades e estudos especializados.
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Referências bibliográficas:
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*Entre 2019 e 2023, o autor do artigo foi bacharelando em Geografia pelo Instituto de Geografia, Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal de Alagoas (IGDEMA/UFAL). Nesse sentido, o artigo em questão integra o projeto Cinema e Geografia (CINEGEO). O projeto de divulgação científica Cinema e Geografia estuda a relação entre sociedade e cinema e a ciência geográfica na análise fílmica.