A 24 de agosto de 1954, o Brasil foi abalado por um acontecimento trágico. Naquela madrugada, Getúlio Vargas, que ocupava o cargo de Presidente da República, enfrentando uma crise política que parecia impossível de contornar, tirou a própria vida no seu quarto no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, então capital federal. Vargas disparou um tiro no coração com um revólver calibre 32, marcando um dos episódios mais dramáticos da história do país.
Este acto desesperado não só pôs fim à vida de um dos líderes mais influentes da história do país, como também desencadeou uma série de reflexões e discussões que, décadas depois, continuam a permear o debate sobre o seu papel na construção do Brasil moderno e as consequências desse gesto para o futuro da nação.
Em uma entrevista concedida a Ricardo Westin, da Agência Senado, em 2014, o historiador António Barbosa, professor da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), destacou que a morte de Getúlio Vargas teve um impacto emocional tão profundo no país que muitos brasileiros, que anteriormente criticavam o presidente, passaram a vê-lo como uma vítima.
Barbosa explicou que, devido a isso, os adversários de Getúlio perderam o ímpeto necessário para tomar o poder, o que levou ao cancelamento do golpe que estava em curso. A ditadura militar só seria instaurada dez anos mais tarde.
Governo Vargas
O advogado e ex-militar Getúlio Vargas foi o brasileiro que mais tempo ocupou o cargo de presidente, governando por quase duas décadas.
Seu primeiro governo, instaurado após a Revolução de 1930, foi marcado por uma centralização do poder e por profundas reformas. Em seguida, com a promulgação da Constituição de 1934, o país viveu um período mais democrático. No entanto, em 1937, Vargas instaurou o Estado Novo, um regime autoritário que perdurou até 1945. Eleito novamente pelo voto popular em 1950, Vargas governou até seu trágico suicídio em 1954.
Foi na ditadura do Estado Novo, que durou oito anos, que ele realmente se consolidou como uma figura central e influente na política brasileira. Esse período foi marcado pela supressão das liberdades civis, censura rigorosa, ampla propaganda política e tentativas de conquistar a simpatia das massas.
A política trabalhista também foi uma prioridade para Vargas, evidenciada pela introdução do salário mínimo em 1940 e pela criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943.
A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial e a crescente instabilidade do regime autoritário enfraqueceram o Estado Novo, gerando uma pressão crescente por novas eleições. Em reação, Vargas anunciou a realização de uma eleição presidencial para o final de 1945. Contudo, em outubro do mesmo ano, foi deposto pelos militares.
Em 1951, Vargas regressou ao poder de forma democrática, mas seu segundo governo foi marcado por uma crise política constante e tensões sociais exacerbadas pela crise económica do país. Pressionado pela situação, Vargas cometeu suicídio a 24 de agosto de 1954.
Com isso em mente, trazemos seis filmes ambientados durante o seu governo.
“Getúlio” (2014), de João Jardim
Com Tony Ramos a interpretar Getúlio e Drica Moraes no papel de Alzira Vargas, filha do ex-presidente, o filme desenrola-se durante os 19 últimos dias de vida de Getúlio Vargas. Neste período, ele encontra-se isolado no Palácio do Catete, enquanto os seus opositores o acusam de ser responsável pelo atentado da rua Tonelero contra o jornalista Carlos Lacerda (Alexandre Borges).
“Olga” (2004), de Jayme Monjardim
Realizado por Jayme Monjardim, “Olga” retrata a vida tumultuosa e dolorosa da corajosa ativista política Olga Benário. De origem alemã, Olga viria a tornar-se esposa de Luís Carlos Prestes, célebre líder comunista brasileiro conhecido como o “Cavaleiro da Esperança”.
Durante a década de 1930, o governo do presidente Getúlio Vargas ordenou a prisão de Luís Carlos Prestes e de sua companheira, Olga Benário, que estava grávida na altura. Olga, comunista e de origem judaica, foi deportada pelo Brasil em 1936 para a Alemanha nazi, onde foi detida e acabou por morrer num campo de extermínio em 1942.
No filme, Camila Morgado dá vida a Olga, enquanto Caco Ciocler assume o papel de Luís Carlos Prestes. Fernanda Montenegro interpreta Dona Leocádia, a mãe de Prestes, e Osmar Prado encarna o ex-presidente Getúlio Vargas.
“Memórias do Cárcere” (1984), de Nelson Pereira dos Santos
Em março de 1936, Graciliano Ramos, na altura diretor de instrução do estado de Alagoas, foi preso sem julgamento, sob a suspeita de envolvimento com a Aliança Nacional Libertadora, uma aliança de esquerda oposta ao governo de Getúlio Vargas.
Esta experiência deu origem ao livro “Memórias do Cárcere”, onde o jornalista alagoano descreve detalhadamente a sua prisão em Maceió, o período no quartel do exército em Recife, a viagem de navio até à Casa de Detenção no Rio de Janeiro e a sua transferência para a colónia penal da Ilha Grande.
Esse relato autêntico e pormenorizado inspirou o filme homónimo de Nelson Pereira dos Santos, que utiliza a experiência do cárcere para expor a brutal repressão política do governo de Vargas e a perseguição aos seus opositores.
Na adaptação, Ramos é interpretado por Carlos Vereza.
“O País dos Tenentes” (1987), de João Batista de Andrade
Protagonizado por Paulo Autran, o filme centra-se na história de um general que, ao ser interrogado sobre as revoluções militares que moldaram a história do Brasil e nas quais esteve envolvido, entra em crise pessoal ao refletir sobre os acontecimentos da sua carreira política.
A obra explora o período da Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Através da narrativa, é possível notar a influência dos militares e o papel crucial dos tenentes na política brasileira, elementos centrais da Era Vargas.
“Adágio ao Sol” (1996), de Xavier de Oliveira
Ambientado no início dos anos 1930, o filme desenrola-se numa fazenda de café no interior de São Paulo. Ali, Júlio (Cláudio Marzo), Angélica (Rossana Ghessa) e Álvaro (Marcelo Moraes) vivem um intenso triângulo amoroso, com a crise do café, a ascensão de Getúlio Vargas ao poder e a Revolução Constitucionalista de 1932, na qual Álvaro se alista, servindo de pano de fundo para a trama.
“Estrada 47” (2013), de Vicente Ferraz
Baseado em acontecimentos reais, o filme retrata o drama vivido por uma unidade anti-mina da Força Expedicionária Brasileira. Após um ataque de pânico, os soldados esforçam-se para manter o moral e desativar o campo minado que os separa de uma aldeia controlada por forças nazi-fascistas.
Em uma entrevista concedida a Alex Stedman, da Variety, Ferraz revelou que, com a produção, seu objetivo é explorar a história do Brasil na Segunda Guerra Mundial, um tema que, segundo ele, foi “esquecido pelos brasileiros e é completamente desconhecido no exterior.” Para isso, ele recorreu a diários, cartas e entrevistas como fontes de pesquisa.
* A partir de informações da Agência Senado