Arlette Pinheiro Monteiro Torres, mais conhecida pelo nome artístico Fernanda Montenegro, nasceu em 16 de outubro de 1929, no bairro do Campinho, situado na zona norte do Rio de Janeiro.
Sua primeira incursão nos palcos ocorreu aos 8 anos de idade, quando participou de uma peça na igreja. Todavia, sua estreia oficial no teatro teve lugar em dezembro de 1950, quando dividiu o palco com seu esposo, Fernando Torres (1927-2008), numa montagem de “3.200 Metros de Altitude”, obra do romancista francês Julian Luchaire (1876-1962).
Partindo para a televisão, na década de 1950, participou, em dois anos na TV Tupi de São Paulo, de cerca de 80 peças, exibidas nos programas Retrospectiva do Teatro Universal e Retrospectiva do Teatro Brasileiro. Em 1952, foi premiada como Atriz Revelação da Associação Brasileira de Críticos Teatrais por seu trabalho em “Está Lá Fora um Inspetor”, de J.B. Priestley, e “Loucuras do Imperador”, de Paulo Magalhães.
São Paulo
Em 1954, Fernanda Montenegro mudou-se para São Paulo, onde integrou a Companhia Maria Della Costa e o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Em parceria com seu marido, ela fundou sua própria companhia teatral, o Teatro dos Sete, que contava também com a participação de Sergio Britto (1923-2011), Ítalo Rossi (1931-2011), Gianni Ratto (1916-2005), Luciana Petruccelli e Alfredo Souto de Almeida.
O primeiro espetáculo da companhia, “O Mambembe” (1959) de Artur Azevedo (1855-1908), foi um grande sucesso, atraindo centenas de espectadores para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Fernanda e a Televisão
Em 1963, a grande dama da dramaturgia estreou na TV Rio com as novelas “Amor Não é Amor” e “A Morta sem Espelho”, ambas de Nelson Rodrigues. No mesmo período, participou da série “teleteatro 4 no Teatro” na recém-criada TV Globo, sob a direção de Sérgio Britto. Em 1967, integrou o elenco da TV Excelsior, interpretando a personagem Lisa, em “Redenção”, de Raymundo López.
Sua estreia no mundo das telenovelas da TV Globo ocorreu em 1981, na novela “Baila Comigo” de Manoel Carlos. Dois anos depois, Fernanda protagonizou cenas icónicas ao lado de Paulo Autran, interpretando os primos Charlô e Otávio em “Guerra dos Sexos”, novela escrita por Silvio de Abreu e dirigida por Jorge Fernando e Guel Arraes.
Em 1986, a atriz também participou de “Cambalacho”, outra comédia de Silvio de Abreu, sob a direção de Jorge Fernando.
Além dessas, a talentosa atriz brasileira brilhou em diversas produções, incluindo “Rainha da Sucata” (1990), de Silvio de Abreu, “Renascer” (1993), de Benedito Ruy Barbosa, “Celebridade” (2003), de Gilberto Braga, e “Passione” (2010), novamente sob a autoria de Silvio de Abreu.
Fora que, ao longo da carreira, participou também de minisséries como “Riacho Doce” (1990), “Incidente em Antares” (1994), “O Auto da Compadecida” (1999) e “Hoje é Dia de Maria” (2005).
Óscares
Considerada uma das mais renomadas atrizes do Brasil e da lusofonia, Fernanda Montenegro ostenta a distinção de ser a primeira latino-americana e a única representante da comunidade lusófona a ser nomeada ao Óscar de Melhor Atriz por sua atuação em “Central do Brasil” (1998).
Na edição de 1998 do Óscar, Fernanda Montenegro disputou a categoria ao lado de Emily Watson por “Hilary e Jackie”, Cate Blanchett por “Elizabeth”, Meryl Streep por “Podia-te Acontecer” e, é claro, Gwyneth Paltrow por “A Paixão de Shakespeare”. Apesar da polémica em torno de sua indicação, pois Gwyneth Paltrow, que acabou vencendo, era a favorita, Montenegro fez uma atuação memorável que lhe rendeu o reconhecimento de críticos e público.
Na ocasião, Montenegro relatou que, após o término do Óscar, a intensidade de repórteres que a cercava na entrada não se repetiu na saída. A atriz compartilhou em entrevista:
“Eu literalmente saí daquele teatro como uma desconhecida. Foi naquele momento que finalmente chorei”.
Sobre o fato, em uma entrevista ao jornalista Pedro Bial no programa “Conversa com Bial”, Montenegro afirmou que a estatueta de Melhor Atriz deveria ter sido concedida a Cate Blanchett.
“Não é que o meu trabalho não seja respeitado. Não é isso. Mas eu teria votado na Blanchett”, pontuou a atriz.
Reconhecimento
Em 1999, Fernanda Montenegro foi agraciada com a mais alta distinção concedida pela Presidência da República, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito, “pelo reconhecimento ao destacado trabalho nas artes cênicas brasileiras”.
Na ocasião, uma exposição no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro celebrou os 50 anos de carreira da atriz. Em 2004, aos 75 anos, recebeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Tribeca, em Nova York, pela sua atuação em “O Outro Lado da Rua”, realizado por Marcos Bernstein.
Em 2013, ela se tornou a primeira brasileira a ganhar o Emmy Internacional na categoria de melhor atriz pela atuação na série de comédia “Doce de Mãe”, da TV Globo.
Para mais, em 2023, ela foi considerada a mulher mais admirada do Brasil pelo quarto ano consecutivo, segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Qualibest.
Imortal
Além da interpretação, Fernanda ainda se destacou nas letras. Em 2021, ela foi eleita, por maioria absoluta, para a cadeira número 17 da Academia Brasileira de Letras (ABL). A atriz recebeu 32 votos favoráveis dos 34 acadêmicos, enquanto 2 votos foram brancos. Com essa eleição, Montenegro assumiu a cadeira 17, que estava vaga desde o falecimento do escritor e diplomata Affonso Arinos de Mello Franco em 15 de março de 2020.
Montenegro se candidatou à Academia Brasileira de Letras (ABL) com sua autobiografia, “Prólogo, Ato e Epílogo”, coescrita com Marta Góes e publicada em 2019 pela Companhia das Letras. O livro foi construído a partir de 18 entrevistas concedidas pela atriz à escritora.
A votação se tornou meramente uma formalidade, uma vez que a Grande Dama do Teatro, Cinema e Televisão brasileira era a única candidata para a vaga, sem que ninguém se atrevesse a competir contra ela. Na ocasião, em uma entrevista exclusiva à Sofia Cerqueira e Marina Lang, da Veja, a atriz comentou:
“A disputa da ABL se apresentou, diria, não convencional, mas, tradicional. Aceitei me candidatar dentro do ritual da casa. Com concorrentes ou sem concorrentes, a ABL me aceitou. Estou feliz”, comentou a Montenegro.
Considerando a grandiosidade de Fernanda Montenegro, o Cinema Sétima Arte selecionou sete filmes de sua filmografia.
“Central do Brasil” (1998), de Walter Salles
Com uma trama envolvente e emocionante, o longa de Salles tornou-se um marco na história do cinema nacional brasileiro. Com atuações marcantes de Vinícius de Oliveira como o sonhador Josué e Fernanda Montenegro como a dúbia Dora, que lhe rendeu uma nomeação ao Óscar de Melhor Atriz no ano seguinte, “Central do Brasil” é um filme que conquistou o coração do público e da crítica. Mesmo tendo perdido a estatueta para Gwyneth Paltrow, muitos consideraram a decisão da Academia uma grande injustiça.
Para quem nunca assistiu, em linhas gerais, a história do filme gira em torno de Dora, uma ex-professora que escreve cartas para analfabetos na Estação Central do Brasil para complementar sua renda. Quando uma de suas clientes morre em um acidente de ônibus, deixando seu filho Josué desabrigado, Dora reluta em ajudá-lo, mas acaba se juntando ao menino em busca de seu pai em uma viagem pelo interior do nordeste. Durante a jornada, eles compartilham momentos inesquecíveis que ficam gravados na memória do espectador.
“Eles não usam black-tie” (1981), de Leon Hirszman
O filme “Eles não usam black-tie” é baseado na peça homónima de Gianfrancesco Guarnieri e retrata a vida operária durante a greve dos metalúrgicos de São Paulo em 1979, período final da ditadura militar no Brasil. O filme destaca a importância do novo protagonismo operário na derrota da ditadura, e mostra como a luta acontecia de forma diferente em cada lugar.
A dificuldade de organização é o tema central do filme, com embates não só entre trabalhadores e patrões, ou sindicalistas e a ditadura, mas também entre os próprios trabalhadores e sindicalistas que divergiam por questões políticas e estruturais. No drama, Montenegro vive Romana mulher do operário Otávio vivido por Guarnieri.
“O Tempo e o Vento” (2013), de Jayme Monjardim
“O Tempo e o Vento” é uma adaptação da magnus opus do escritor Érico Veríssimo. O filme narra a saga da família Terra Cambará e de sua principal antagonista, a família Amaral, ao longo de cento e cinquenta anos, desde as Missões até o final do século XIX. Através da perspectiva do embate entre essas duas famílias, o longa retrata a formação do Rio Grande do Sul, o povoamento do território brasileiro e a demarcação de suas fronteiras, moldadas por conflitos armados entre as coroas portuguesa e espanhola.
“Infância” (2015), de Domingos Oliveira
A comédia dramática de Domingos Oliveira concentra-se em retratar o Brasil dos anos 50 por meio do reflexo de uma família carioca, liderada por uma matriarca severa que é uma ouvinte dedicada dos discursos de Carlos Lacerda.
“Infância” utiliza com delicadeza e, particularmente, com humor para descrever o funcionamento autoritário de uma família tipicamente brasileira no Rio de Janeiro da década de 50. Essa família é chefiada por uma matriarca que aguarda ansiosamente a noite para ouvir os discursos de Carlos Lacerda. A trama intensa aborda a trama emocional de forma explícita, evidenciando os absurdos dos comportamentos dos personagens.
“A Dama do Estácio” (2012), de Eduardo Ades
“A Dama do Estácio”, de Eduardo Ades, é um curta-metragem que presta homenagem ao longa “A Falecida”, de Leon Hirszman, o qual explorava a obsessão de uma mulher pela ideia da morte e seu desejo por um enterro luxuoso. Essa mesma premissa é, essencialmente, seguida por “A Dama do Estácio”, também estrelado por Fernanda Montenegro, agora interpretando uma prostituta que está obcecada pela ideia de sua iminente morte e deseja adquirir logo seu caixão.
“A Vida Invisível” (2019), de Karim Aïnouz
Ambientado no Rio de Janeiro na década de 50, o drama de Karim tem como protagonistas as irmãs Eurídice e Guida, duas inseparáveis que vivem com os pais em um lar conservador. Ambas nutrem sonhos: Eurídice aspira se tornar uma pianista profissional, enquanto Guida busca viver uma grande história de amor. Contudo, acabam sendo separadas pelo pai e forçadas a viver distantes uma da outra. Sozinhas, enfrentarão desafios para controlar seus destinos, mantendo viva a esperança de se reencontrarem. Em uma participação especial, Fernanda Montenegro interpreta a versão idosa de Eurídice.
“O Auto da Compadecida” (2002), de Guel Arraes
“O Auto da Compadecida”, clássico do cinema novo brasileiro, é uma adaptação da minissérie homónima lançada em 1999. O filme baseia-se na peça homônima de 1955, além de incorporar elementos de “O Santo e a Porca” e “Torturas de um Coração”, ambas obras de Ariano Suassuna. O filme também incorpora influências do clássico “Decamerão”, de Giovanni Boccaccio. Lançado no cinema no ano seguinte, o filme é uma reinterpretação do universo narrativo de Ariano Suassuna, que se inspira na cultura popular nordestina.
O longa de Guel Arraes conquistou quatro categorias no Grande Prémio do Cinema Brasileiro. Com mais de 2 milhões de espectadores, tornou-se o filme brasileiro de maior bilheteria no ano de seu lançamento. Além disso, o longa-metragem figura em praticamente todas as listas de melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Na comédia, Fernanda Montenegro, interpreta o papel título de “A Compadecida”.