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«Miss Hokusai» – Pequenos silêncios

O cinema de animação japonês é um caso raro de como a sua iconografia reflecte a identidade cultural do país. Quer no cinema de animação, quer no cinema de imagem real, é palpável a presença de um passado cultural que incorpora e molda a narrativa, mas que, simultaneamente, tenta adaptar-se às influências estrangeiras. A Anime, o nome pelo qual é conhecida a animação japonesa, é talvez o resultado mais evidente deste facto. Os olhos e cabeças grandes, a androgenia das personagens, as vozes abebezadas, não fizeram sempre parte do estilo japonês, mas  são sintomas de uma indústria que necessitava de se redefinir para tentar transmitir a sua cultura e os seus valores, de uma forma mais “ocidentalizada”, ao mundo. “Miss Hokusai”, de Keeichi Hara, é um bom exemplo de como, ainda hoje, se sente essa identidade cultural na animação japonesa.

“Miss Hokusai” conta a história de Katsushika Oei, filha do famoso pintor japonês do período Edo, Katsushika Hokusai, que foi também pintora e sua assistente.  A narrativa adopta uma estrutura de natureza episódica, facto que é um pouco estranho para um filme biográfico, mas que confere um ritmo aliciante ao filme. Esta escolha de estrutura narrativa espelha igualmente a vida misteriosa de Oei que, pelo facto de existirem poucos documentos sobre ela, foi sempre motivo de muita especulação no Japão.

Ao longo do filme, Oei tenta tornar-se independente do seu pai e começar a sua carreira enquanto pintora, mas é confrontada com a sua própria inexperiência em relação à vida, apesar da sua proeza técnica. É aqui que o filme se revela mais interessante: a forma como conta a procura de Oei pela experiência que necessita para se tornar uma pintora melhor; e é, também, aqui que se manifestam as raízes culturais através das tradições populares, aliadas a um recurso ao sobrenatural. Uma das cenas mais interessantes é quando Oei pinta um quadro para uma familia da vizinhaça. A pintura retrata o inferno, e dizem estar a enlouquecer a senhora da casa. Só quando Oei e Hokusai são chamados à casa e reparam que Oei se esqueceu de desenhar Buda, e só depois de Hokusai o pintar, é que a família regressa à normalidade. “Miss Hokusai” é um filme que vive da subtileza e riqueza das suas alegorias e é isso que o torna interessante.

Apesar de todo o consegue bem, a banda-sonora desiludiu-me um pouco com a sua vertente rock. Um filme que vive de momentos secretos entre as personagens, consegue perder muito da sua credibilidade ao atirar-nos para fora do seu contexto narrativo e histórico. Mas mesmo assim consegue manter-se consistente ao longo dos seus 90 minutos.

“Miss Hokusai” é um filme que merece a atenção dos fãs do cinema japonês, mas merece-o ainda mais pela forma como retrata a vida de uma personagem praticamente desconhecida da história japonesa, e a consegue tornar tão palpável e humana.

Realização: Keeichi Hara
Argumento: Miho Maruo
Elenco: Yutaka Matsushige, Anne Watanabe
Japão/2015 – Animação

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