Inside Cinema #10 (A Single Man)

Technicolor

É raro a vida iluminar-se. Sentir que tudo está como devia estar e que cada coisa
pertence ao seu lugar – não, isso não costuma acontecer-me. O passado tropeça no
presente e qualquer hipótese de futuro-Eu não se adivinha. Talvez morrer seja mais
fácil do que parece. Tudo se repete, enquadrado na armação negra dos óculos: são
sempre as mesmas águas turvas, é sempre o mesmo embaciamento.

Eis o segredo de como ser invisível:

A mesma camisa.
A mesma gravata.
As mesmas calças.
Os mesmos sapatos.
A mesma pasta.
O mesmo caminho.

Tem as suas vantagens, mas nem sempre foi assim. Houve um tempo em que a vida
era plena e eu não era mais feliz apenas enquanto dormia. Se eu fechasse os olhos e
os abrisse logo a seguir, tu continuavas lá. O mundo era colorido, havia uma praia
e, sobre a toalha estendida, o teu corpo ao lado do meu. Dois olhos azuis que me
faziam ser mais do que sou hoje.

É tão raro, agora, ver o mundo com clareza:

O real, sépia; o sonho, cinza.
A nostalgia, technicolor.