O Peixe 2016 35

«O Peixe» – A eternidade que habita os pequenos gestos

A curta “O Peixe venceu o prémio Documentário “Manoel de Oliveira” na 25ª edição do Curtas Vila do Conde. O cineasta brasileiro Jonathas de Andrade trouxe a esta edição do festival uma curta que se insere algures entre a dor e a ternura. É dentro dessa dualidade que dançamos por não existir um ponto moral onde nos possamos fixar. A curta mostra-nos vários pescadores que possuem uma forma muito peculiar de levar a cabo o seu mister: abraçam, acariciam e beijam os peixes que vão retirando da água até darem o seu último fôlego.

O filme mostra como pequenos gestos conseguem condensar, de um só golpe, um sentimento tão universal como o amor. Enquanto um braço agarra com força a cauda para não deixar escapar o peixe, o outro aconchega-o e acaricia-o, mostrando que o homem é parte integrante da natureza, pois possui instintos essenciais para a sua sobrevivência enquanto espécie; por outro lado, no ser humano, existe algo que transcende essas forças predatórias capaz de inverter uma lógica de destruição e eternizar a vida para além de si mesmo. Em tempos de hiperconsumo e de matadouros onde a morte é massiva e mecanizada, estes pescadores tornam-se símbolo de uma forma de vida humana perdida por entre uma vontade de domínio cheia de fome de território, de recursos naturais, de armamento e tecnologia.

Por entre este frenesim vertiginoso, de uma vida extremamente acelerada, que facilmente esquece as fontes da vida, é a objetiva de Jonathan que vem desvelar a beleza que se esconde dentro e fora de nós. Ficamos estarrecidos com a fotogenia dos enquadramentos. A paisagem transmite paz, é calma e idílica; os corpos acolhem um brilho que lhes é dado pelo sol quando este se espraia através do reflexo da água pela vegetação circundante, realçando os verdes que predominam na imagem. Mas, o brilho mais intenso e especial é aquele que reflete nas escamas dos peixes, como se o sol também os beijasse e os redimisse nos últimos instantes de vida.

Este texto foi produzido como um dos participantes do 2.º Workshop Crítica de Cinema realizado durante o 25.º Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema.

Realização: Jonathas de Andrade
Argumento: Jonathas de Andrade
Elenco:
EUA/Brasil/2016 – Documentário
Sinopse
: O filme retrata um grupo de pescadores de uma vila do nordeste brasileiro que recorre a uma técnica muito peculiar ao caçar as suas presas: os homens, de várias idades, embalam nos braços os peixes capturados, acariciando e beijando as suas guelras, e, enquanto os pressionam firmemente contra os peitos nus, aguardam pelo momento derradeiro da sua morte (o clímax absoluto). É uma sequência repetitiva de crueldade, ternura e morte, apenas intercalada pela beleza das imagens, das cores e dos sons da natureza, pela luxúria dos corpos masculinos e os grandes planos dos seus rostos (que, a tempos, interpelam diretamente o espectador). “The Fish”, obra de Jonathas de Andrade, situa-se no território híbrido entre documentário e ficção – os pescadores são reais, mas o ritual é fruto da imaginação do artista –, e pretende ser uma crítica velada ao documentário etnográfico convencional e à forma como este objeto foi muito formatado pelo olhar ocidental (europeu, branco), que tendia a objetificar e erotizar os corpos nativos. (TL)

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