O caso envolvendo a Braskem, a maior petroquímica das Américas, sob o controle do grupo baiano Odebrecht (atualmente “Novonor”), destaca como as empresas do setor mineral conseguem estabelecer uma espécie de governo paralelo nas regiões em que operam, conseguindo firmar acordos altamente vantajosos, mesmo quando são responsáveis por desastres de grande magnitude.
Ao longo de décadas, a Braskem extraiu sal-gema em Maceió, a capital de Alagoas, contando com o apoio constante da ditadura militar nas décadas de 70 e 80, bem como dos governos estaduais e prefeitos eleitos desde então, além da conivência dos órgãos ambientais de fiscalização.
Realizada de maneira inadequada e desrespeitando todas as normas, a exploração das minas de sal-gema pela Braskem ocorreu em proximidade umas das outras, formando falhas em alguns casos. Essas falhas são agora responsáveis pela destruição de quatro bairros em Maceió e pela evacuação de 55 mil pessoas de suas residências.
Este é considerado atualmente como “o maior desastre em andamento em área urbana” em todo o mundo. As residências passaram a apresentar fissuras e afundamentos, comprometendo suas fundações. Os bairros transformaram-se em lugares abandonados, assemelhando-se a cenários de guerra.
Lamentavelmente, a única alternativa para essas famílias foi concordar com um acordo proposto pela Braskem, que oferece uma quantia módica de R$ 81 mil para cada uma delas, montante insuficiente para adquirir uma propriedade em outro local e, certamente, inadequado para cobrir todos os danos causados.
Como resultado, a Braskem tornou-se proprietária dos quatro bairros – Pinheiro, Mutange, Bom Parto e Bebedouro. A longo prazo, essa área, localizada em uma região valorizada de Maceió, pode representar um valor de até R$ 40 bilhões para a empresa petroquímica. Todavia, o montante reservado pela Braskem para lidar com as consequências do desastre por ela causado é de apenas R$ 10 bilhões.
É crucial ressaltar e advertir que estamos diante de um dos mais graves crimes socioambientais na história do Brasil e do mundo, transformado em ganho financeiro no setor imobiliário. Até o momento, não houve punições, e a Braskem sai dessa situação lucrando dezenas de bilhões de reais. A empresa, já instalada em uma área de grande valor ambiental, acaba de se apropriar de 3 quilômetros de orla e 300 hectares de área urbana em uma das regiões mais valorizadas de Maceió.
Recentemente, em 29 de novembro, a Prefeitura de Maceió decretou estado de emergência devido ao risco iminente de colapso de uma mina da petroquímica Braskem na Lagoa Mundaú, localizada no bairro do Mutange. De acordo com o governo estadual, foram registrados cinco abalos sísmicos na área durante o mês de novembro, e um eventual desabamento pode resultar na formação de grandes crateras na região.
Diante dos fatos relatos, o documentário “A Braskem passou por aqui: A catástrofe de Maceió”, realizado por Carlos Pronzato, expõe o drama das vítimas, a negligência da Braskem e o silêncio complacente das autoridades responsáveis pelas rachaduras e afundamentos no solo, que afetam pelo menos quatro bairros de Maceió. A tragédia urbana resultou no êxodo de mais de 67 mil moradores, 4.500 empresários, 30 mil trabalhadores demitidos e 15 mil residências destruídas, levando consigo memórias, o passado e o futuro de todos os afetados.
O trabalho de Pronzato condensa, em 1 hora e 20 minutos, uma série de depoimentos valiosos de moradores expulsos de suas casas, pesquisadores, pequenos empresários afetados, técnicos da Defesa Civil e figuras-chave envolvidas no caso.
Através da cinematografia do filme, o espectador testemunha cenas que evocam a destruição dos Budas de Bamiyan pelos talibãs afegãos em 2001, ou mesmo as ruínas da Síria – é verdadeiramente um cenário de campo de guerra. Guerra essa arquitetada por uma organização que pouco se importou com a população existente na região.
O filme convida a uma reflexão sobre como projetamos nossos sentimentos em relação à cidade e qual é a nossa capacidade de resiliência. Ele apresenta um quadro da natureza humana, repleto de dramas, temores e circunstâncias que guiam e determinam as ações das personagens, contrastando com a inércia das autoridades.
É o tipo de produção que permite várias leituras e que promove empatia e compreensão em relação ao ser humano. O filme não busca consolar o espectador, mas sim apresentar um registro próximo do nosso cotidiano. Por isso, Pronzato se consagra como um artista de perspectiva autêntica, pois retrata a barbárie ocasionada pela Braskem com dedicação e compromisso.
Prozato leva o espectador a mergulhar nos sentimentos, nas vivências mais profundas dos personagens e nas lembranças mais latentes. Através da fotografia Prozato representa a dor, a angústia, a solidão e a desolação das pessoas esquecidas.
Porém, o filme não aborda temas sob a perspectiva dualista de bem e mal, pois, conforme expressou Friedrich Nietzsche (1844-1900), existem certas coisas, como o amor e a vida, que transcendem o conceito de bem e mal. O cenário cotidiano urbano, evidenciado ao longo do filme, revela-se tão intrincado e enigmático quanto uma trama shakespeariana com nuances de distopia. Pronzato compartilhou com o SINTIETFAL o impacto que teve ao deparar-se com inúmeros imóveis desocupados:
‘‘É impactante ver as rachaduras. É impressionante. Conseguimos driblar os tapumes para entrar nos imóveis. Não conseguimos entrar nas minas. É impressionante. E a noite piora, porque não conseguimos fazer entrevistas. Durante os percursos encontramos uma cidade perdida. Apenas da compensação da Braskem, os moradores perdem sua história. Teve gente que nasceu no local e perdeu tudo, é muito triste. Isso por causa da negligência de uma empresa, pois tinham tudo para prever a tragédia. Nunca tinha visto algo do tipo”, afirmou o cineasta ao se deparar com uma “cidade perdida, um cenário de guerra”.
Na metade do século passado, Denis de Rougemont (1906-1985), um perspicaz defensor da unidade europeia e, notadamente, um estudioso da ocidentalidade, proferiu uma afirmação que pode ser aplicada à Braskem. Para ele, a decadência de uma sociedade tem início quando o homem passa a questionar a si mesmo “o que irá acontecer?”, em vez de indagar “o que posso fazer?”.
Nesse contexto, é crucial destacar que a Braskem mantém o estado de Alagoas em condições desumanas, agindo como um verdadeiro algoz. Associada a isso, a decadência, quer seja na sociedade em seu espectro mais amplo ou em quaisquer instâncias específicas, começa quando o imperativo ético da ação é substituído pela acomodação e pela espera desalentada. Ou seja, ocorre quando se abdica do dever que emana da liberdade e se requer, para ser verdadeiramente livre, uma intervenção consciente.
Ao ouvir os relatos dos entrevistados, pude notar o pesar, mas também a resistência e a esperança. A esperança é um princípio vital, que se expressa na sabedoria de que “enquanto há vida, há esperança”, mesmo em face às mais difíceis circunstâncias.
Em suma, o documentário “A Braskem passou por aqui: A catástrofe de Maceió” oferece uma oportunidade para que todo o Brasil conheça os impactos da exploração mineral predatória, realizada sem a devida fiscalização dos órgãos públicos ambientais, sobre uma das cidades mais turísticas do Nordeste.
O registro documental permanecerá relevante por muitos anos e é uma maneira de trazer visibilidade nacional à tragédia em Alagoas. Diferentemente de Brumadinho e do Amapá, a crise em Maceió persiste, com o solo afundando continuamente, sem previsão de interrupção, e o número de pessoas afetadas ainda é incerto.