“A Noite do Dia 12”, o mais recente trabalho do realizador franco-alemão Dominik Moll assenta com toda a firmeza sobre a premissa de o espectador saber de antemão o final do filme desde o seu início.
Tem, por isso, uma missão que pode ser, em muitos casos, suicida, já que a tensão tem de, necessariamente, ser criada sem poder recorrer a nenhum mistério por desvendar.
Aqui, Dominik Moll consegue o grande feito de não fazer descarrilar uma história que tanto poderia ligar-se ao óbvio como ao sentimental e raramente o faz, sem cair na tentação de vitimizar ou culpabilizar ninguém.
“A Noite do Dia 12” conta a história do processo de investigação que decorre da morte de uma jovem, Clara, numa noite, a do dia 12 de outubro, em que regressava a casa depois de estar com os amigos, em Grenoble, e é queimada viva por um atacante não identificado.
A partir daí, o corpo do filme é o processo de investigação levado a cabo pela Polícia Judiciária, embora, a espaços, venha a entrar em alguns pormenores e agruras das vidas privadas de alguns deles, o que lhes confere uma dimensão muito mais completa.
Moll faz questão de contar com um elenco muitíssimo bom, atores não só com a mestria de dar profundidade aos seus personagens polícias, mas de chegarem muito perto de uma atuação surpreendente, como é o caso de Bastien Bouillon, que interpreta um dos papéis principais – o do capitão Yohan Vivès.
No elenco, embora tanto Bouillon como Bouli Lanners (dando vida a Marceau) se destaquem por avivarem os seus personagens que, de outro modo, poderiam perder-se no enorme rol de polícias que já povoaram o cinema mundial, todos os atores primam por em algum momento se elevarem acima do estatuto de interveniente de telefilme.
Pela história, Moll corria o risco de cair nesse registo e a verdade é que não caiu e trouxe para “A Noite do Dia 12” a mestria de controlar a história por completo, sem nunca deixar que se tornasse vulgar ou até mesmo a transformar em apenas mais um melodrama policial.
É ainda um bom testemunho dos novos tempos que correm, já que grande parte dos homens intervenientes passa muito ao longe do sexismo que em outros tempos certamente inundaria um filme como estes – exceção feita, claro, à metade de homens suspeitos que passa pelos bancos da esquadra para interrogação.
Adicionalmente, carrega consigo o mérito de, em dois momentos muito importantes, fazer despertar o espetador e os próprios personagens daquela modorra em que um caso como estes, sem solução à vista, começa lentamente a cair.
O primeiro momento é o de quando a melhor amiga de Clara relembra ao capitão Vivès de que Clara não fez nada e, por isso, transforma aquela mulher não numa vítima, mas em alguém que “não estava a pedi-las” ou que era “fácil”, como por vezes alguns intervenientes parecem querer começar a sugerir.
“A Noite do Dia 12” tem esse importante papel de não voltar a cair no erro de tornar a mulher, certamente com todas componentes da sua personalidade, num alvo ambulante e fácil para uma ampla comunidade de predadores do sexo masculino, mesmo que na verdade assim pareça.
Num segundo momento, contudo, Vivès parece atónito pela ideia de que todos os seus suspeitos poderiam ter morto Clara e que, em última instância, todos os homens a mataram, parecendo-lhe que possa haver um problema entre mulheres e homens.
A verdade é que não haverá uma conclusão para nenhum dos seus dilemas e, por isso, o facto de Domink Moll conseguir despertar o interesse em toda a duração deste seu policial baseado em incertezas e buscas desesperadas, não deixa de ser um feito admirável.
Num altura em que uma boa parte dos guiões não consegue suster os seus filmes, é também surpreendente que este seja um filme coeso e bem conectado, sem pontas soltas, bons diálogos e até bons silêncios, colocados nos sítios certos.
“A Noite do Dia 12”, não sendo um filme brilhante, é um trabalho sólido, bem estruturado, bem planeado e muito bem executado. Talvez o facto de que assim possa parecer ao espetador o exclua de voos mais elevados, já que, em verdade, o elemento emocional nem sempre está presente.
Em vários momentos mostra, contudo, o potencial que haveria por explorar, mas sem correr grandes riscos, assente em bons diálogos e boas atuações, consegue ainda trazer para primeiro plano questões e ideias feitas sobre as quais a sociedade atual deve não só debruçar-se, mas desconstruir.