Chegou à Netflix este filme de 2019, de Galder Gaztelu-Urrutia, premiado com o “People’s Choice Award” na secção “Midnight Madness” do Festival de Cinema de Toronto do ano passado (ano de estreia). O filme traz-nos uma prisão vertical onde se prova que a riqueza, simplificada neste caso como comida, não escorre (desloca-se entre classes) dos poucos primeiros para os muitos que sofrem nos pisos inferiores. A metáfora alegórica ao capitalismo usada neste filme roça o genial numa receita quase inédita. Não joga com cenários futuristas ou pós-apocalípticos, deixando-nos espaço para o encaixar num tempo bem próximo de aquele em que vivemos.
A fotografia deste conceito oportuno arrasta-nos para uma atmosfera ferozmente sinistra. Muito bem conseguido do ponto de vista técnico, “A Plataforma” prospera no grotesco e repugnante de tudo o que conhecemos dos humanos. Fica o aviso às pessoas mais sensíveis para cenas bem explícitas.
Enquanto nos níveis mais altos as pessoas deleitam-se num banquete diário, o resto das pessoas nos pisos inferiores ficam com as sobras. Quanto mais baixo, menos provável restar algo na plataforma flutuante que carrega as refeições. Ao fim de um mês, os sobreviventes acordam num piso diferente e, claro, mesmo aqueles que suportaram o horror do abismo rapidamente se tornam opressores quando experimentam o sabor da abundância. O individualismo ganancioso retratado na sua forma mais perturbadora.
A rápida comparação com “Parasitas” pode ser uma tentação, mas não tendo a profundidade de análise social que Bong Joon-ho conferiu ao seu filme utilizando o argumento e a cinematografia para isso, “A Plataforma” o que diz, diz de forma eficaz e implacável. Mostra-nos mais uma vez que não há inocentes em todo o processo, mas que da união dos mais fracos pode nascer uma solução para derrotar o sistema. Se a seguir a vermos o filme não tivermos capacidade de nos pensar e autocriticar, algo está mal, muito mal.