25 de Abril

“A Tragédia de Macbeth” – As Escolhas de Coen

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Mesmo sem nada saber sobre Shakespeare ou Macbeth, o título deixa entrever que os acontecimentos da peça não terão um desfecho favorável ao próprio.

Fica ainda a saber-se que a premissa é a de que com regularidade norteia as tragédias: morre toda a gente no fim.

“A Tragédia de Macbeth” não é uma tragédia grega, per se, mas aproxima-se bastante, mesmo que a versão que o irmão Joel Coen desenhou não seja a mais ortodoxa ou, já agora, a mais original ou emotiva.

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A Tragédia de Macbeth – O Rei Duncan e o seu séquito

Ter o espírito aberto para ver adaptações de Shakespeare ao cinema é condição essencial para perceber as opções linguísticas tomadas, mas mesmo com espírito receptivo, “A Tragédia de Macbeth” de Coen fica aquém do seu potencial.

Uma escolha será sempre uma escolha e a de Joel Coen, aqui pela primeira vez sem o irmão Ethan, recaiu preferencialmente na estética da peça, o que não tem nada de errado, a não ser que com isso a tensão e profundidade dos personagens seja comprometida em detrimento do aspecto.

Na realidade, esse é o grande tendão de Aquiles de “A Tragédia de Macbeth”, esse desejo de desenhar um cenário esteticamente belo, o irresistível aspecto de filme noir despojado do excesso, refém das linhas rectas e mais próximo do entorno de uma peça de teatro.

No seu belo despojamento estético, o filme não se tornou peça, mas também não deixou de ser filme e entre esse limbo e as prestações tendencialmente unidimensionais de Frances McDormand e Denzel Washington, “A Tragédia de Macbeth” queda-se pouco inventivo.

Com Shakespeare não se inventa a roda, a matéria prima encontra-se lá – poder-se-á argumentar -, mas é certo que nem o sentimento de pathos, vingança ou despeito são perceptíveis nos seus protagonistas e essa é toda a razão de ser desta tragédia de vida que é a de Macbeth.

Ao longo do filme, foi ficando na autora destas linhas a sensação de que o elenco secundário apresentava soluções muito mais desafiantes do que o núcleo central de actores, estrelas por mérito próprio, e isto diz quase tudo sobre ele.

Como esquecer a entrada arrebatadora de Katryn Hunter no papel das Bruxas ou Irmãs do Destino, como também são chamadas, ou mesmo o seu discreto, mas magnético papel como o homem idoso que dá guarida a Fleance, o filho de Banquo?

Kathryn Hunter como uma das Bruxas ou Irmãs do Destino
Kathryn Hunter como uma das Bruxas ou Irmãs do Destino

Aqui se encontra uma mulher que tem trabalhado toda uma vida no teatro a dar vida a quatro personagens no total, de uma forma personalizada, em consonância com a linguagem do filme e sem comprometer a verdade da peça, revelando a essência ou uma das possíveis interpretações para um personagem tão central.

Após a sua aparição nada mais será tão intenso, interessante ou enquadrado com o espírito da história, nem mesmo a desinspirada tentativa de Frances McDormand como Lady Macbeth de mostrar algo mais do que aquilo que o manual dos bons actores recomenda – no momento da sua transposição para a loucura de mostrar.

A história de Macbeth é simples: a da ambição de um homem, ajudado pela sua mulher, em tornar-se rei, especialmente depois da profecia das Irmãs do Destino, e daquilo que é capaz para o conseguir.

Essa simplicidade mascara inúmeros dilemas e escolhas que dilaceram qualquer um dos seus intervenientes, e as escolhas estética de Coen não concedem nem mais nem menos consistência nos personagens do que aquilo que se encontra à superfície.

Se, por um lado, a opção por uma versão mais despida e estilizada pode parecer uma boa ideia – e é! -, por outro lado, o risco corrido é o de que todo o restante se transforme numa linha tão recta quanto as dos interiores deslumbrantes dos aposentos de Macbeth.

“A Tragédia de Macbeth” não tem propositadamente um cenário característico da Escócia, não se passa num castelo, não tem um final tradicional, mas encontra-se tão expurgada de sinais identificativos que perdeu a oportunidade de ter uma identidade.

Denzel Washington (Macbeth) e Frances McDormand (Lady Macbeth)
Denzel Washington (Macbeth) e Frances McDormand (Lady Macbeth)

Nem mesmo o facto de “transgredir” a peça com a integração de actores negros em papéis tradicionalmente de actores brancos – isso já foi feito antes – ou a transformação de Macbeth e a mulher num casal mais velho do que na história original parecem trazer qualquer frescor à tonalidade geral do filme.

“A Tragédia de Macbeth” é um filme belo que deixará alguns espectadores com a sensação de que falta um pouco de anima, aquela chama que inflama os corpos que sem ela nada mais são do que invólucros.

Em Portugal, o filme encontra-se para ser visto na plataforma de streaming Apple TV+.

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“A Tragédia de Macbeth” – As Escolhas de Coen
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