“Accatone” é a estreia de Pier Paolo Pasolini como realizador, uma longa metragem que transiciona entre o cinema italiano de autor dos anos 1940/50 e o cinema de cariz mais pessoal que se seguiria. Teve a seu lado Bernardo Bertolucci como assistente de realização.
“Accattare” é uma palavra do dialeto romano, aplicado a vagabundos, pessoas que estão à espera de que algo lhes caia no colo, preparados para optarem por esquemas ilegais para obterem o que querem. Assim o é Vittorio, o Accattone, (Franco Citti) um chulo, que explora a esposa Maddalena (Silvana Corsini), e vive no ócio, com gente igual a si. Um dia, Maddalena é abusada por bandidos e acaba presa. Accattone então reconsidera a sua vida, e tenta reencontrar a mãe do seu filho, mas acaba escorraçado. Porém, Accattone encontra a bela Stella (Franca Pasut), que seduz para uma vida que lhe promete mais dinheiro, e que ela aceita por se enamorar dele. Stella, não consegue prostituir-se, e Accattone acaba por tentar trabalhar para a sustentar, acabando por regressar à vida de crime.
Pasolini afirma desde logo algumas das características do seu cinema: o uso de atores amadores, a pobreza, e as personagens eternamente párias da sociedade. As suas maiores influências são pictóricas, e não cinematográficas: Mantegna, Pontormo, Masaccio e Duccio, todos pintores do Renascimento – ele dizia que aprendeu a pensar figurativamente tendo na cabeça os retábulos medievais e os altares, em vez da tela de cinema. O uso do chiaroescuro (luz fortemente contrastada) em “Accattone” realça esta dimensão da imagem tridimensional e escultórica.
Accattone é um uma personagem-estereótipo constante no cinema de Pasolini (o Cristo profeta do Evangelho, Édipo em Édipo Rei, Medea em Medea, a Emilia de Teorema, o canibal de Pocilga, os viajantes de Mil e Uma Noites, etc.). Na sua base está o ator Franco Citti, que compõe uma personagem nem boa nem má, apenas alguém que se vai deixando levar ao sabor da vida. “Accatone” é um retrato deprimente de uma Itália, que mostra camadas sociais desfavorecidas, marginais, dispostas a todos os pequenos recursos ilegais que lhes garantissem mais um dia de sobrevivência, e mostra um simbolismo caraterístico, que tanto pode ir do homoerotismo à iconografia católica e música religiosa.
As paisagens desoladas em “Accattone” não correspondem a apenas um ponto de vista, antes abrem a possibilidade de qualquer ponto de vista – elas são um desvelamento do mundo.
“Accattone” não é “Roma, Cidade Aberta” (1945), de Roberto Rossellini, ou sequer “Ladrões de Bicicletas” (1948), de Vittorio de Sica, onde os acontecimentos transcendem os protagonistas, que deles são vítimas, vítimas coletivas. “Accattone” mostra um lado da sociedade que não é merecedor da nossa piedade, e que até se prefere esquecer.
O filme foi bastante atacado pelas frentes neofascistas, com eventos que se chegaram a ser violentos, nas salas onde o file foi exibido – tudo isto num prenúncio do que a vida artística e política de Pasolini lhe traria durante toda a sua vida.
Realização: Pier Paolo Pasolini
Argumento: Pier Paolo Pasolini
Elenco: Franco Citti, Silvana Corsini, Franca Pasut
Itália/1961 – Drama
Sinopse: Vittorio Caraldi (Franco Citti) ou, para quem o conhece, “Acattone“, que significa “mendigo”, é um italiano que vive às custas da prostituição de Maddalena (Silvana Corsini). Ele é casado com Ascenza (Paola Guidi) com quem tem um filho, mas não mantém contato. Quando a sua fonte de renda é atropelada e espancada por inimigos, além de ser presa, ele é obrigado a procurar emprego.