Lançado em 1988, “Akira” tornou-se referência mundial da animação e ajudou a popularizar a arte do anime no ocidente, nove anos antes de os estúdios Ghibli fazerem uma parceria com a Disney e entrarem no mercado norte-americano.
A obra de Katsuhiro Otomo é icónica não apenas por apresentar uma cinematografia única, mas também por apresentar valores da cultura japonesa e explorar os fios da ciência e do misticismo, da física e da metafísica.
Esta narrativa de ação cyberpunk passa-se em 2019, 30 anos depois da Terceira Guerra Mundial, que destruiu a capital japonesa e gerou Neo-Tóquio, uma selva urbana futurista tomada por gangues bōsōzoku formados por adolescentes delinquentes. O carismático Kaneda é o líder de um dos gangues e amigo próximo de Tetsuo, um rapaz inconstante com um passado traumático.
Durante um confronto com um gangue rival, Tetsuo é capturado por militares após um acidente envolvendo um menino de aparência envelhecida, fugido de uma unidade psiquiátrica governamental. Tetsuo é então submetido a experiências que envolvem “energia pura” e que o transformam num telepata telecinético, alimentado por uma colossal sede de vingança, capaz de modificar matéria e alterar as leis da física.
Mais tarde, Tetsuo descobre ser incapaz de controlar os seus poderes. A partir daí, o seu corpo é atingido por mutações que o desfiguram, resultando numa massa amorfa de matéria.
“Akira” não gira apenas em torno de indivíduos que descobrem ser detentores de poderes sobre-humanos numa narrativa de ficção científica futurista marcada pela violência, centra-se na ordem existencial, no capitalismo, na corrupção do poder político, na religião, na tecnologia e na amizade, com um olhar crítico sobre a alienação da juventude e a ineficiência governamental, indiferente para com o perigo que o poder de Tetsuo representa.
Como consequência dessa indiferença e amoralidade em relação à tecnologia, o coronel Shikishima, figura que poderia ser visto inicialmente como um dos principais antagonistas do filme, revela ser o único realmente empenhado no futuro de Neo-Tóquio, enquanto, simultaneamente, tenta manter a ordem entre os políticos.
“Akira” concentra em si o discurso fundamental de todo o subgénero cyberpunk: o potencial humano, os seus limites e as consequências de uma tecnologia que avança mais depressa do que a ética civilizacional. A barreira entre o humano e o divino é destruída pelos avanços tecnológicos, pelas próteses mecânicas, pelos hologramas, mas, acima de tudo, pela amoralidade.
Tetsuo desenvolve capacidades não-humanas por via de experiências cientificas, assemelhando-se a Akira, a personificação da energia da criação. Este inicia a sua metamorfose para se tornar uma amálgama de carne e aço que encarna o caos humano.
Otomo explora em “Akira” a iminência de uma IV Grande Guerra potenciada pelo monstro que vive dentro de Tetsuo, de nós. O realizador faz um paralelismo entre a explosão dessa “energia pura” e a energia da bomba de Hiroshima.
É curioso notar que a data do rebentamento da primeira bomba atómica em Los Alamos, no Novo México, coincide com o dia (16 de julho) da de “Akira”, alterando-se apenas o ano, 1988. Os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki foram, aliás, os percursores da temática apocalíptica, distópica e atómica do pós-guerra, muito presente no anime, manga, cinema japonês e, claro, na BD americana.
“Akira” é néon, política, distopia e violência, mas é também a personificação da esperança, da liberdade e da virtude.
Realização: Katsuhiro Otomo
Argumento: Katsuhiro Otomo
Elenco: Mitsuo Iwata, Nozomu Sasaki, Mami Koyama
Japão/1988 – Animação
Sinopse: Na Terceira Guerra Mundial, uma explosão destruiu Tóquio em 1988, surgindo posteriormente a Neo-Tóquio num Japão que, em 2019, se encontra à beira de um colapso político, sofrendo atentados terroristas por toda a capital. Kaneda (Mitsuo Iwata) é líder de um gangue e tem o amigo Tetsuo (Nozomu Sasaki) envolvido num projeto secreto do governo japonês, projeto esse intitulado Akira.