Bernardo Bertolucci (1941-2018) iniciou-se no cinema com o cinema novo italiano dos anos 60 – “La Commara Secca” (1962), “Antes da Revolução”/”Prima della Revoluzione” (1964) e “Partner”, baseado no duplo a partir de Dostoievski (1968) – de que foi um dos nomes mais modernos e destacados, com Pier Paolo Pasolini, Marco Bellochio e Carmelo Bene.
Numa primeira fase, a sua obra desenvolveu-se segundo parâmetros de exigência e grande qualidade, depois daqueles filmes como “O Conformista”/”Il Conformista”, baseado em Alberto Moravia, e “A Estratégia da Aranha”/”La Strategia del Ragno” baseado em Jorge Luis Borges (1970), ambos de marcado cunho político.
Após esse início fulgurante, forte e pessoal que o coloca decididamente do lado do cinema moderno e também do político com “O Último Tango em Paris”/”Ultimo Tango a Parigi” (1972) com Marlon Brando e Maria Schneider, um belo filme que banaliza o escândalo parolo que o rodeou, “1900”/”Novecento” (1976) com Robert De Niro, Gérard Depardieu, Dominique Sanda e Alida Valli, um grande fresco histórico em que excede o mero modelo “viscontiano”, “La Luna” com Jill Clayburgh sobre mãe e filho (1979) e “A Tragédia de um Homem Ridículo”/”La Tragedia di un Uomo Ridicolo” com Ugo Tognazzi sobre o sucesso nos negócios (1981). Torna-se assim um realizador internacional de filmes de prestígio e qualidade, que se tornam indissociáveis do seu nome…
Sempre contra o previsível do establishment, na sua obra vão seguir-se o oscarizado “O Último Imperador”/”The Last Emperor” (1987), “Um Chá no Deserto”/”The Sheltering Sky”, baseado em Paul Bowles (1990), “O Pequeno Buda”/”Little Buddha” (1993) e “Beleza Roubada”/”Stealing Beauty” (1996), sempre com grandes assuntos, grandes personagens e grandes actores.
Acaba por regressar a filmes mais pessoais já no século XXI com “Os Sonhadores”/”The Dreamers” (2003) e “Eu e Tu”/”Io e Te” (2012), na demanda da inocência perdida e irrecuperável da juventude, em que se situaram talvez os seu filmes mais pessoais e originais.
Guardo dele a memória do ímpeto inspirado dos primeiros filmes e da energia que o levou a erguer monumentos da história do cinema; do inconformismo com que quebrou barreiras e tabus, mesmo ao ponto de filmar na Grande Muralha da China em favor de uma beleza não apaziguada que, com o segredo do amor, da vida e da morte, procurava.
Figura respeitada e de grande relevo do cinema contemporâneo, soube guardar nos seus filmes um fio de ironia meridional e de contraste que marcava a distância da gravidade dos assuntos que tratava. Um grande senhor do cinema parte agora para desgosto de todos e perda da Sétima Arte.
Artigo publicado no âmbito da colaboração do Cinema 7.ª Arte com o blogue Some Like it Hot.
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