Mamã (2013) – Amor Não Escolhe Entidade
Gosto de filmes de terror. Gosto especialmente de filmes de nos assustam e inquietam mas que são inteligentes e utilizam dados científicos associados à fantasia.
É o caso de “Mamã”, um filme realizado por Andrés Muschietti, que assina o argumento juntamente com a sua irmã Barbara Muschietti e Neil Cross, e conta com a coprodução do famoso Guillermo del Toro, que se apaixonou pela curta-metragem homónima lançada anos antes e se tornou viral na internet.
A história do filme não é nova, tem até múltiplos clichés, mas a forma como foram incorporadas questões da díade entre mãe e filhas está muito bem conseguida.
Em 2008, no pico da grave crise financeira Jeffrey (Nikolaj Coster-Waldau), conhecido pela personagem Jaime Lannister em “A Guerra dos Tronos”) mata os seus companheiros de negócios, a sua mulher e foge com as suas filhas sem destino certo. Na sequência de um acidente de carro acaba numa cabana no meio da floresta (ora cá está o cliché), onde tenciona assassinar as meninas e suicidar-se, terminando com o sofrimento familiar que se avizinha. No entanto, as meninas são salvas por uma entidade sobrenatural.
Há cinco anos desaparecidas, as irmãs Victoria (Megan Charpentier), de oito anos de idade, e Lilly (Isabelle Nélisse), de seis, reaparecem sem que se saiba como sobreviveram. Os seus tios Lucas (Nikolaj Coster-Waldau) e Annabel (Jessica Chastain, nomeada ao Óscar por “00:30 Hora Negra” e “As Serviçais”) aceitam o desafio de cuidar destas meninas que perderam a maioria dos hábitos sociais.
Ao terem sido adotadas por Mamã (Javier Botet), nome pelo qual tratam a entidade que as salvou, as irmãs crescem como meninas selvagens, comprometendo o seu desenvolvimento físico e cognitivo. No entanto, Mamã proporcionou-lhes todos os cuidados de afeto e carinho que conseguiu, transformando-se na sua figura de referência parental, apesar de ser um fantasma.
As meninas criam um forte vínculo com Mamã, e Annabel, que nunca teve ambições de ser mãe, vê o seu trabalho dificultado pelos ciúmes da cuidadora, que não as abandona nesta nova etapa.
Assim, apesar da evidente dificuldade em criar novos laços, Victoria por ter recordações da vida e da dinâmica familiar, oscila entre a vontade de pertencer, novamente, ao mundo real e conservar os laços que estabeleceu com Mamã. Contudo, o mesmo não acontece com Lilly, cujas experiencias de cuidados e proteção se associam exclusivamente à fantasma, e para quem este mundo é simplesmente demasiado novo.
Dr. Dreyfuss (Daniel Kash), o psiquiatra encarregue de analisar o estado mental das meninas, fica fascinado com o seu caso, pedindo permissão para continuar a estudá-las, teorizando acerca da personagem a quem as irmãs atribuem a sua sobrevivência.
O filme tem algo de cómico no seu medo, estamos muitas vezes à espera de ser assustados e isso de facto acontece, mas existem também momentos de júbilo, empatia e choque, que nos conseguem surpreender ao longo do desenrolar suave e sempre cativante da narrativa. É sobretudo uma metáfora às relações maternas, e que pode facilmente transportar-nos para debates, que estão sempre na ordem do dia, como os maus tratos às crianças e a adoção por pessoas que se disponibilizam simplesmente para as amar.
As crianças são fantásticas, enquanto atrizes e no desenvolvimento do seu papel. Victoria que tinha um background social antes de se tornar selvagem manifesta, com maior facilidade, uma proximidade à vida em sociedade, ao contrário de Lilly, que não fala, não dorme numa cama e não sabe utilizar talheres, porque nunca teve necessidade de o fazer nos anos em que foi acolhida por Mamã. Estes dados provém diretamente do estudo com os meninos selvagens que se desenvolvem longe do contacto com a sociedade e muitas vezes com os seres humanos, e que manifestam precisamente este tipo de comportamentos. Não esquecendo o brilhante papel da atriz principal, as meninas são, para mim, as estrelas do filme.
A atenção aos pequenos detalhes é importante, o autor utiliza falas das personagens e objetos como elos de ligação entre o terror e a fantasia, e só através da observação cuidada dos pormenores se poderá assimilar o (tão contestado) final.