“Mas quem é a Sofia? E porquê é que interessa o que ela escolhe? A Sofia é uma amante da sétima arte, com formação em psicologia, que nos trará semanalmente uma análise idiossincrática de um filme da sua preferência. Opinião sincera e repleta de curiosidades, acerca de filmes, muitas vezes ignorados pelas luzes da ribalta, mas que de alguma forma merecem protagonismo, pelo interesse do ponto de vista psicológico, da análise do comportamento e da personalidade, e dos benefícios de os visionar. Esperamos que não fique indiferente a esta nova rubrica, e que torne as escolhas da Sofia suas escolhas também!”
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O Despertar da Mente (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004) – Impossível de Esquecer
“How happy is the blameless vestal’s lot!
The world forgetting, by the world forgot.
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray’r accepted, and each wish resign’d;”
Alexander Pope, “Eloisa to Abelard”
Uma vez que o assunto do momento são os Óscares da Academia, esta semana falo-vos de um dos meus filmes preferidos de todos os tempos, e que em 2005 foi vencedor de melhor argumento original “O Despertar da Mente” (“Eternal Sunshine of the Spotless Mind”) realizado por Michel Gondry, que partilha o argumento com Charlie Kaufman (“Queres Ser John Malkovich?”; “Inadaptado”) e Pierre Bismuth.
Alguma vez saíram magoados de uma relação e pensaram que se pudessem apagavam essa pessoa da vossa vida? “O Despertar da Mente” junta um elenco de qualidade a uma história original e culmina num filme de grande intensidade. Este drama romântico com uma pitada de ficção científica conta a história de Joel (Jim Carrey) que descobre que a sua ex-namorada Clementine (Kate Winslet) o apagou, literalmente, da memória após o término do seu conturbado relacionamento, e resolve fazer o mesmo, recorrendo a uma clínica especializada nesta técnica inovadora – The Lacuna – onde trabalham os pouco profissionais Patrick (Elijah Wood), Stan (Mark Ruffalo), Mary (Kirsten Dunst) e Dr. Mierzwiak (Tom Wilkinson). No entanto, durante o processo da perda das suas memórias Joel redescobre o amor por Clem e pelo que viveram.
O filme desenvolve-se então, na sua maioria, na “cabeça” de Joel, enquanto a equipa de cientistas viaja pelas memórias que o associam a Clementine, e este tenta a todo o custo reverter o processo a que decidiu sujeitar-se, e salvar algumas destas recordações. Aqui o filme leva-nos a questionar o que realmente nos define e o papel que as memórias têm na forma como nos vemos a nós próprios e nos relacionamos com os outros. A memória é um processo neurocognitivo essencial a nossa vida, sendo responsável pelo registo, codificação, consolidação, retenção, armazenamento e recuperação de informação adquirida. Contribuí, portanto, para o nosso desenvolvimento pessoal e aprendizagem, permitindo-nos adaptar e evoluir. Sem memória não existe antes e depois, e por isso arranjamos inúmeras formas de prevenir a falha deste processo, associando fotografias, vídeos, objetos, musicas, cheiros às experiências boas que não queremos esquecer. Contudo, debatemo-nos por abandonar as recordações que nos causam dor e mau estar, sem perceber que também essas fazem parte do que somos.
Este filme surge então como uma brilhante analise ao comportamento, às emoções e relações, com o auxílio da grande performance de Kate Winslet, que lhe valeu a nomeação para um óscar, e o surpreende desempenho do um papel dramático, que muito contrasta com o que estamos habituados, de Jim Carrey que deixou cair as máscaras cómicas para abraçar um registo melancólico.
“Despertar da Mente” insere ainda várias referências ao esquecimento e à perda no decurso do filme, o título que provém do Poema de Alexandre Pope, e a canção que referencia Clementine são algumas delas. Eu diria que o facto de não o conseguirmos esquecer após dez anos da sua estreia acaba por ser mais uma.