As vertigens e dores de crescimento da Democracia – Uma lista de filmes para recordar e reflectir, sobre como a sétima arte vê as eleições
Estamos neste momento de novo na linha de combate pela democracia em muitos países do mundo. De uma forma diferente de há uns anos atrás mas correndo os mesmos ou perigos semelhantes. Quando falamos de democracia é impossível não falar de eleições. Obviamente a democracia não se esgota, ou não deveria esgotar-se no acto eleitoral. Mas é através destas que as pessoas no seu universo mais vasto se podem exprimir sobre a escolha do destino de uma freguesia, cidade, região, estado ou país. E é em torno deste julgamento popular que se faz desenrolar uma boa parte dos jogos de poder. A ambição de poder, o peso ideológico, as escolhas que se fazem que definem o nosso futuro entre promessas. Partindo do poder e das suas relações podemos falar de participação, de oposição, contestação, manifestação, opressão e um infindável número de temas.
Não nos podemos alhear também do papel propagandista da sétima arte de forma mais directa através de encomendas governamenais ou de forma mais indirecta pela influência sócio-cultural política que passa aos seus espectadores através das personagens, das suas histórias e contextos. Como exemplo os filmes do agente secreto 007 James Bond que foi adaptando os seus inimigos ao longo do correr dos tempos de acordo com os conflitos internacionais em causa.
No cinema, seja como retrato documental, ficção ou às vezes uma mistura dos dois, também vemos estes temas retratados. Vivemos mundialmente tempos delicados, ascensão de movimentos de extrema-direita, governos opressores que vão sarceando liberdades conquistadas, revoltas, mentiras que fazem parte do quotidiano e claro todas as medidas que tivemos de integrar na nossa vida para combatermos a pandemia da Covid19.
Assim a lista que vos proponho passa pelos momentos eleitorais em cinema mas também por alguns dos jogos de poder que não se dissociam sejam em democracias ou em ditaduras. Por ordem do peso que a indústria norte-americana tem e também pela espetacularidade que mais facilmente atribuem aos actos eleitorais, a lista contém mais filmes desta origem.
O Grande Ditador, de Charlie Chaplin (1940)
Uma das obras máximas de Charlie Chaplin. Filmado em segredo, Chaplin resistiu a todas as pressões e ameaças e levou a sua avante. Em outubro de 1940, pouco mais de um ano após a invasão da Polónia e o início da 2.ª Guerra Mundial, o filme estreava nos Estados Unidos da América. Delirante, comovente e a mais corajosa sátira a Hitler, ao seu regime e às suas sinistras ideias políticas. Tudo isto combinado com a história do insignificante barbeiro judeu que, devido às suas semelhanças com o ditador, acaba por tomar o seu lugar e por o denunciar publicamente no discurso final que comoveu o mundo.
State of the Union, de Frank Capra (1948)
Um filme sobre amor e política, e a busca do sonho americano. Estrelado por Spencer Tracy e Katharine Hepburn traz a história do magnata Grant Matthews que decide concorrer à indicação do Partido Republicano para a Casa Branca e acaba por ficar dividido entre a amante, uma ambiciosa dona de um jornal, e a sua dedicada esposa, com quem vive um casamento de aparências reatado pouco antes de avançar.
Os Candidatos, de Franklin J. Schaffner (1964)
Uma adaptação de uma peça de Gore Vidal, por Franklin J. Schaffner, em que dois candidatos, William Russell (Henry Fonda) e Joe Cantwell (Cliff Robertson), procuram o apoio, decisivo para a nomeação, de um ex-presidente (Lee Grant) entretanto moribundo. Uma maneira de dar a ver os bastidores dos congressos partidários norte-americanos e as jogadas e rasteiras que levam depois à presidência.
Os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula (1976)
Durante a corrida às presidenciais norte-americanas de 1972, o repórter do “Washington Post” Bob Woodward (Robert Redford) está a fazer a cobertura jornalística do que parece ser um acontecimento secundário na sede do Partido Nacional Democrático. Fica surpreendido, contudo, quando descobre que para a defesa do caso foram recrutados os melhores advogados da cidade. Ben Bradlee, o editor do jornal, decide então destacar Woodward e Carl Bernstein (Dustin Hoffman) para investigarem o caso. Os dois acabam por descobrir o rastilho que os levará até à Casa Branca e ao escândalo Watergate, que conduziu à destituição de Richard Nixon. Os Homens do Presidente, baseado no livro escrito pelos dois jornalistas, deixam o espectador suspenso numa meticulosa e perigosa investigação que desmonta os meandros do mundo da política e do jornalismo.
Palombella Rossa, de Nanni Moretti (1989)
Devido a um acidente, Michele, um líder do partido comunista italiano e atleta de pólo aquático, perde a memória. Durante uma partida de pólo, é abordado constantemente por pessoas que ora o elogiam, ora o criticam questionando-o sobre um discurso que tinha feito antes do acidente; o jogo torna-se, contra a sua vontade, num fórum de política, até porque se aproximam as eleições. A pressão é constante, e subitamente um penálti decisivo, no fim do jogo, determina a liderança do campeonato e não só. “Palombella Rossa”’ apresenta um brilho ensolarado constante que parece acentuar o desconcerto de Michele: ele observa tudo e procura clarificar as ideias mas contudo, como num sonho, nada parece fazer sentido. Recorrentemente, o protagonista assiste na televisão junto à piscina à versão cinematográfica de David Lean, do “Doutor Jivago” e subitamente na cena emblemática em que o doutor reencontra Lara, todos reagem com a mesma paixão, em diálogo com Omar Sharif e com consequências imprevisíveis. Moretti não deixa o espectador indiferente, combinando humor e consciência crítica, para que este reflicta sobre a política, a identidade e a memória.
The Last Party, de Mark Benjamin e Marc Levin (1993)
1992 nos Estados Unidos da América onde George H. W. Bush e Bill Clinton estão em disputa pela liderança do país. No meio do caos partidário, um jovem Robert Downey Jr. faz-se à estrada numa jornada cross-country que o leva às Convenções Nacionais Democratas e Republicanas em busca do entendimento dos meandros da democracia norte-americana. Apresentando imensas entrevistas, de Spike Lee a Jerry Falwell, este documentário excentricamente engraçado oferece uma perspectiva satiricamente distorcida da Geração X sobre o clima sociopolítico do início dos anos 90 do século passado. E o seu sucesso acaba por se ditar com o facto de a proeza se ter repetido mais duas vezes, tornando-se assim parte de uma espécie de trilogia.
Manobras na Casa Branca, de Barry Levinson (1997)
Manobras na Casa Branca traz-nos a história de um presidente dos Estados Unidos da América que, a uma semana das eleições em que a vitória parece mais do que assegurada, se vê envolvido numa acusação de assédio sexual. Depois de contratarem um “resolvedor” de problemas, Conrad Brean (Robert de Niro), a equipa presidencial vai buscar um famoso produtor de Hollywood (Dustin Hoffman) para encenar uma guerra fictícia contra a Albânia. E porquê a Albânia? E porque não? Ninguém sabe nada da Albânia e os únicos albaneses famosos são os irmãos Belushi, em cameo de si próprios. Um filme que antecipa a realidade, seja pela inervenção militar no Kosovo, como pelo papel que as “fake news” terão uns anos mais tarde nas campanhas eleitorais.
Primary Colors, de Mike Nichols (1998)
Uma adaptação do best-seller sobre a candidatura de Bill Clinton à Casa Branca em 1992, o jovem Henry Burton (Adrian Lester) é escalado para supervisionar a campanha presidencial do governador Jack Stanton (John Travolta). Apesar do aviso inicial de que se trata inteiramente de uma obra ficcional, facilmente se criam paralelos com a realidade. Durante o filme acompanhamos o processo de campanha num ritmo vibrante, com um candidato entusiasmado que promove e agrada seus eleitores com grande facilidade. Em contraponto tudo parece desmoronar quando a esposa de Jack, Susan (Emma Thompson) entra em cena. Sem nunca perder a imagem de esposa perfeita, o lado superficial de tudo isto não consegue dissimular as brechas que surgem quando o escândalo sexual rebenta.
The Party’s Over, de Rebecca Chalkin e Donovan Leitch (2003)
Este filme, originalmente com o título “The Last Party 2000” é a primeira sequela do documentário “The Last Party”. Um terceiro documentário foi feito mais tarde noutro período eleitoral criando assim uma espécie de trilogia. Este documentário segue Philip Seymour Hoffman, que substitui Downey Jr., como um cidadão preocupado numa jornada, sem censura, do estado da democracia norte-americana. O filme examina como o processo político americano aborda, e muitas vezes falha em abordar, as questões mais urgentes do país. O filme tenta responder à cada vez mais iminente pergunta: há diferença entre republicanos e democratas?
Milk, de Gus van Sant (2008)
Em 1972, Harvey Milk (Sean Penn) e o seu então companheiro Scott Smith deixam Nova York para rumarem a São Francisco, com Milk determinado a realizar algo significativo na sua vida. Instalados no distrito de Castro, ele abre uma loja e ajuda a transformar a área numa “Meca” para gays e lésbicas. Em 1977, tornou-se o primeiro homem assumidamente gay eleito para um cargo público notável quando foi eleito para o “Board of Supervisors”. No ano seguinte, Dan White (Josh Brolin) mata Milk a sangue frio.
Nos Idos de Março, de George Clooney (2011)
Uma adaptação da peça Farragut North, escrita, em 2008, por Beau Willimon, baseada na campanha das presenciais de 2004 do democrata norte-americano Howard Dean. O título do filme é uma alusão ao 15 de Março do calendário romano, dia em que Júlio César foi assassinado por um grupo de conspiradores, no ano de 44 A.C.. Stephen Meyers (Ryan Gosling) é o consultor de campanha do governador Mike Morris (George Clooney), que se prepara para a corrida às presidenciais dos EUA. Decidido a fazer vencer quem ele acredita sinceramente ser o melhor representante do seu país, Stephen está totalmente comprometido com aquela campanha. Porém, dada a manipulação e artifícios que se multiplicam ao seu redor, o homem vai ter de encarar a realidade a frio e mudar a sua maneira de ver os homens e o seu trabalho. Entre o que é moralmente correcto e o que na verdade esperam dele, vai envolver-se num jogo onde desejaria nunca ter entrado.
The After Party: The Last Party 3, de Michael Schiller (2011)
O filme é o terceiro da série de documentários, “The Last Party” e “The Party’s Over”. Numa mistura de cultura pop e política, juntamente com jornalismo, o cineasta Michael Schiller expõe o ponto fraco da vigilância doméstica norte-americana. Schiller está envolvido nas prisões em massa que acompanharam a Convenção Republicana de 2004 em Nova York. Depois do filme se tornar prova no processo “Schiller vs Cidade de Nova York”, o mundo dele deu uma uma volta enorme. As filmagens do incidente conduziram ese processo legal pelos direitos civis, revelando uma quadrilha de espionagem dentro da polícia.
O Ditador, de Larry Charles (2012)
Uma comédia de sátira política, co-escrita e estrelada por Sacha Baron Cohen na sua quarta longa metragem num papel principal. Com um personagem assumidamente inspirado em ditadores como Kim Jong-il, Idi Amin, Muammar Kaddafi, Mobutu e Niyazov a cereja no topo do bolo vem logo nos créditos de abertura do filme que são dedicados a Kim Jong-il. A heróica saga do general Aladeen, supremo líder da República de Wadiya, o país africano que orgulhosa e carinhosamente oprimiu durante várias décadas. Quando a ONU exige a sua presença nos EUA para justificar as suas políticas tirânicas, mesmo correndo risco de vida, segue viagem em defesa da nação. Porém, feito prisioneiro pelos americanos, acaba perdido em Nova Iorque, sem dinheiro nem abrigo. Mas, quando tudo lhe parece perdido, o seu caminho cruza-se com uma pessoa que vai mudar a sua vida.
Não, de Pablo Larrain (2012)
Chile, 1988. Devido a várias pressões internacionais, o general Augusto Pinochet, que chegou ao poder através do golpe militar que derrubou o governo eleito de Salvador Allende, é forçado a convocar um referendo sobre a sua presidência. Os cidadãos votarão o “Sim” ou o “Não” que determinará o seu direito de concorrer a um novo mandato. É então que, encontrando ali a última oportunidade de derrotar o ditador, os líderes da oposição persuadem René Saavedra (Gael García Bernal), um jovem publicitário, a liderar a sua campanha pelo “Não”. Assim, contra todas as expectativas, Saavedra e a sua equipa de homens corajosos conseguem ganhar e libertar o Chile de uma longa ditadura de 17 anos. Este filme encerra uma trilogia sobre a ditadura militar no Chile.
Our Brand is Crisis, de David Gordon Green (2015)
Com várias sondagens a mostrar fracasso eleitoral, um candidato à presidência boliviana pede ajuda a uma equipa de estratégia política norte-americana. A estrela principal é “Calamity” Jane Bodine (Sandra Bullock), uma estrategista brilhante a sair de um período de pousio auto-imposto. Do outro lado Pat Candy, o seu inimigo profissional a trabalhar para a oposição. A batalha torna-se dura e suja entre consultores políticos, onde nada é sagrado e vencer é tudo o que importa. Um filme promissor a nível de argumento mas que acumula várias falhas técnicas ao longo do seu curso tendo isso sido factor de péssimas críticas aquando da sua estreia.
Newton, de Amit V. Masurkar (2017)
Newton Kumar, um funcionário pouco experiente do governo indiano, é enviado para uma missão eleitoral nas selvas cheias de conflitos de Chhattisgarh. Diante do perigo dos iminentes ataques da guerrilha pelos rebeldes comunistas, apesar das probabilidades contra ele, Newton Kumar faz o possível para conduzir um processo de votação justo na região. Os habitantes das tribos locais, que nunca votaram antes, não têm ideia de quem são os candidatos e nem falam a sua língua, o hindi. Como o voto os poderá beneficiar?
A Valsa de Waldheim, de Ruh Beckermann (2018)
Defensor dos valores familiares, Kurt Waldheim foi secretário-geral da ONU durante dez anos e, em 1986, foi eleito presidente da Áustria, mesmo vindo à tona, durante as eleições a sua participação directa na deportação de judeus e massacres na região dos Balcãs durante a Segunda Guerra Mundial. Nos anos 80 ainda era possível eleger ex-nazis, e a tarefa de Ruth Beckermann, foi resgatar essa memória da campanha contra Waldheim na procura de entender como a conivência do povo que lidou diretamente com o Terceiro Reich pode levar desta feia um criminoso de guerra ao poder.
Long Shot, de Jonathan Levine (2019)
Fred Flarsky é um jornalista talentoso e de espírito livre que tem um talento especial para se meter em confusões. Charlotte Field é uma das mulheres mais influentes do mundo – uma política inteligente, sofisticada e realizada. Quando Fred inesperadamente encontra Charlotte, ele percebe que ela era sua ex-babysitter e paixão de infância. Quando Charlotte decide concorrer à presidência, acaba por impulsivamente contratar Fred como redator para os seus discursos, para desespero dos conselheiros de confiança. Não sendo um filme inovador na sua receita conta no entanto com um bom conjunto de actores e actrizes e leva os espectadores a passar bons momentos.
Democracia em Vertigem, de Petra Costa (2019)
Uma reflexão, entre o pessoal, o político e o poético, sobre a paisagem governamental do seu país à luz dos presentes volte-faces. Com acesso sem precedentes a Dilma Rousseff e Lula da Silva, a realizadora explora a ascensão e queda de ambos os líderes. Um documentário ensaístico que serve de aviso para a fragilidade dos sistemas democráticos às forças do populismo. Nomeado para Óscar de Melhor Filme Internacional, honrou o cinema brasileiro, o cinema feminino, que chama a atenção para as convulsões políticas no Brasil, numa altura em que artes são alvo de desinvestimento por parte do governo brasileiro.