Depois de 18 anos à frente da Berlinale, Dieter Kosslick despede-se com um certo sentimento de dever cumprido. Pelo menos é o que tem afirmado nas entrevistas que tem dado ultimamente. Quando assumiu a direção do festival em 2001, havia uma certa insegurança de que o festival pudesse perder visitantes. Kosslick era acusado de não ser propriamente um cinéfilo e muitos desdenharam a sua escolha para pilotar um festival de tal porte. Kosslick era o então diretor executivo da recém criada Film-und Medienstiftung NRW, uma instituição de radiodifusão alemã, e, por isso, visto por muitos como um homem de negócios sem a sensibilidade artística para dirigir um festival de cinema.
Já por outro lado, os apoiadores do diretor afirmavam que foi mesmo esse lado empreendedor o fator determinante para tornar a Berlinale no grande festival que é hoje. Com Kosslick veio a hipérbole para a Potsdamer Platz. E as estrelas, o tapete vermelho e o grande ecrã estendido no Portão de Brandemburgo em 2010, na ocasião do aniversário de 60 anos do festival. Kosslick transformou a Berlinale no maior evento de cinema aberto ao público, com números que chegam quase a meio milhão de bilhetes vendidos.
Mas não foi só o glamour que o septuagenário trouxe com ele, são também de sua autoria a seção de culinária, a Perspektive Deutsches Kino, o World Cinema Fund e o Co-production Market, que se atrelou ao EFM (European Film Market), o segundo maior mercado de cinema do mundo. Ao lado dessas iniciativas, seguiu-se uma forte agenda política que definiu o festival nos últimos anos; tais como a recorrente inclusão de novos realizadores nas secções principais, filmes de países onde a produção ainda é marginalizada (veja-se o caso de “Las Herederas”, primeiro filme paraguaio em competição no festival em 2018) e uma intensa promoção de filmes realizados por mulheres.
“O privado é político”
Foi citando o slogan do movimento feminista dos anos 60 que Kosslick abriu o seu último texto de apresentação na brochura do festival. E esta semana assinou um histórico acordo de paridade de género que visa aumentar a representação das mulheres no mercado cinematográfico e na programação do festival.
A edição do ano passado da Berlinale foi uma bela amostra disso, com os dois principais vencedores, “Touch Me Not” (Urso de Ouro) e “Mug” (Urso de Prata), indo para duas mulheres: a estreante Adina Pintilie e a polaca Małgorzata Szumowska, respectivamente.
Mas talvez o maior novidade da Berlinale está na escolha da próxima pessoa a comandar o certame. É a holandesa Mariette Rissenbeek. Ela assume as funções da casa já a partir de março, transformando-se na única mulher responsável por um festival de cinema de grande porte. Junta-se a ela Carlo Chatrian, o atual diretor artístico do festival de Locarno.
Este ano, dos 23 filmes em competição, sete são de mulheres. Kosslick mostra-se orgulhoso do feito: “Desde 2004 que temos aumentado a participação das mulheres na programação do festival, muito antes do atual debate ter começado. Ainda que ter apenas sete nomes femininos em competição não é uma completa paridade de género, mas já é um grande avanço”.