Que têm em comum “À Procura de Dory”, “Carros 3”, “Incríveis 2” e “Toy Story 4”? Além de respostas óbvias como “são todos filmes da Pixar” ou “foram todos lançados nos últimos 4 anos”, pode acrescentar-se o não menos óbvio “são todos sequelas”. Isto faz com que, se forem analisados os lançamentos dos filmes da Pixar, se perceba que (até 2020) nas últimas 5 estreias, 4 correspondem a sequelas. Se se quiser ir mais longe temporalmente, pode dizer-se que nos últimos 11 lançamentos, 7 foram sequelas. De um estúdio de onde são originárias algumas das obras de animação de referência, as críticas à falta de conteúdo “original” da Pixar começaram a surgir nos últimos tempos. Talvez em forma de resposta, o estúdio anunciou dois títulos originais para o ano de 2020, “Bora Lá” e “Soul”. E é do primeiro, estreado no passado dia 5 de março, que se irá falar.
O filme passa-se num mundo com um passado mágico e habitado por criaturas míticas como feiticeiros, fadas e unicórnios, onde a magia estava presente no dia a dia. Porém, as dificuldades em controlá-la levaram os seus habitantes a descobertas como a eletricidade, avanços que levaram ao gradual desuso da magia que caracterizava esse mundo. No presente, observamos o quotidiano de dois irmãos elfos, Ian (Tom Holland) e Barley (Chris Pratt) Lightfoot, habitantes da cidade de New Mushroom. Vivem apenas com a sua mãe Laurel (Julia Louis-Dreyfus), dado que o seu pai faleceu ainda antes de Ian ter nascido.
No dia do 16.º aniversário de Ian, os irmãos descobrem que o pai lhes deixou um bastão, uma pedra preciosa e um feitiço que permitiria aos irmãos trazer o pai de volta durante 24 horas. Porém, o feitiço correu mal e apenas conseguiram trazer de volta a metade inferior do corpo do pai, tendo partido os dois numa demanda à procura de outra pedra para tentar de novo o feitiço. É possível estudar atentamente nos 20 a 30 minutos de filme (que correspondem à descrição feita nas últimas linhas) a famosa fórmula da Pixar em ação. O inicial “era uma vez…”, seguido do “todos os dias…” e do “até que um dia…” surgem desde logo como uma estrutura familiar, mas que, adverte-se desde já, nem sempre tem de significar um défice de criatividade.
Mais importante, porventura, que continuar a escrever um resumo dos principais pontos da trama, será tentar perceber o contexto em que “Bora Lá” se insere. O resto do filme apresenta ao espectador a jornada dos irmãos Lightfoot, que terão de recuperar a magia de um mundo outrora fantástico, mas agora evoluído e sem magia. Esta jornada não deixa de ser uma metáfora interessante se se fizer o contraponto com uma recente perda de magia da Pixar, que lhe é por vezes acusada. “Bora Lá” tem, por isso, parte da responsabilidade em tentar fazer ressurgir a magia dos filmes originais da Pixar.
Ainda assim, é um facto que a receção do filme parece não estar a ser a melhor. Talvez a principal crítica a “Bora Lá” possa consistir numa insistência mais intensiva em lugares-comuns ou, se se quiser ser mais preciso, na insuficiente capacidade para o filme sobressair quando comparado com anteriores trabalhos do estúdio. Parece ser um caso em que a vertente emocional é a que ficará mais agarrada à memória, sobretudo na ponta final do filme, uma das mais emotivas da Pixar.
São críticas, contudo, que só se aplicam a quem já tem trabalho provado. Se “Bora Lá” fosse fruto de outro estúdio de animação, se calhar estaria por esta hora a ser largamente elogiado. Remetendo para o título do texto, talvez a verdadeira magia da Pixar seja mesmo essa, a magia de conseguir criar um universo em que um filme como “Bora Lá” seja considerada uma obra menos conseguida, mas que ao mesmo tempo não deixe de ser uma experiência agradável e emotiva.