Normalmente quando escrevo, quando escrevemos, sobre um filme é porque o vimos. Gostando mais ou menos, apreciando mais ou menos as suas técnicas e a sua arte. Como costumo dizer não existem sempre avaliações comparáveis. Há filmes que “concorrem” numa categoria e outros noutra. Por vezes três estrelas de uma rom-com não são equiparáveis a três estrelas de um drama ou um thriller. Tenhamos sempre presente a máxima do: fazer rir é brutalmente mais difícil que fazer chorar. Mas voltando ao que me traz até este texto, a mais recente produção, ou melhor, o mais recente lançamento da Disney, já que a produção leva uns longos e difíceis anos em cima desde que foi anunciada em 2016.
O musical live-action, remake da “Branca de Neve”, o filme que não vi e aconselho que não vejam.
Estamos em 2025 e que relevância tem para o cinema um remake de uma história que no seu original em animação é nos dias de hoje uma história perturbadora? A Disney tinha obrigação de saber que continuar a propagandear um beijo não autorizado numa mulher, talvez falecida, por parte de um desconhecido numa acção chauvinista, não é propriamente o modelo de sociedade que queremos e que devemos incentivar. É ficção, podem dizer, e muita coisa em ficção não tem que ser modelo para a realidade. A Disney sabia-o porque foi recentemente confrontada com essa questão nos seus parques temáticos.
A questão do anões substituídos agora por seres mágicos, depois de mil discussões sobre o assunto e outras tantas opiniões inflamadas com destaque para as declarações do Peter Dinklage que tem uma das condições do nanismo, acondroplasia. E nesta questão voltamos também à permente discussão sobre o uso intensivo de CGI nas produções cinematográficas.
Por último, e talvez uma das mais importantes razões: Gal Gadot. A actriz israelita, não foi só militar ao serviço das Forças de Defesa de Israel (FDI), como tem sido uma forte defensora do actual governo sionista de extrema-direita, que tem perpetuado um genocídio sobre o povo Palestino, além de ter participado em acções de propaganda e faz parte da Liga Anti-Difamatória Israelita. E aqui não é uma questão de gosto ou sobre a posição de cada um sobre o conflito. Pode fazer um filme baseado numa história para a infância que apoia a morte de crianças inocentes?
O contra-peso político neste cenário tem sido Rachel Zegler, uma latina que se tem manifestado a favor da Palestina. Apenas um dia depois de partilhar as primeiras imagens de “Branca de Neve”, publicou uma nota de agradecimento na rede X (ex Twitter). Mas foi a última linha do seu post que chamou mais a atenção: “E lembrem-se sempre, Palestina livre!”. Numa entrevista à Variety, em outubro de 2024, ela reiterou a sua posição: “Não posso ver crianças a morrer”, disse. “Só sou responsável pelo que sinto. E também sou responsável pela forma como actuo em relação a isso.”
Somos todos responsavéis pela forma como actuamos em relação ao que se passa no mundo. Uma das ferramentas na nossa mão é o boicote. Então façamos a indústria do cinema perceber que não aceitamos compactuar. Da mesma forma que a indústria afastou envolvidos nos casos #metoo pode afastar-se de uma nova ordem mundial que se tenta impor com violência sobre os outros. Temos aqui uma oportunidade de atingir onde mais lhes dói, no bolso.