Cinco anos depois de “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos” (2018) ter recebido o Prémio Especial do Júri no Festival de Cannes, a dupla João Salaviza e Renée Nader Messora regressa a Cannes para estrear “A Flor do Buriti”, na secção Un Certain Regard.
Na mesma linha que o primeiro filme, sobre o povo indígena brasileiro Krahô, “A Flor do Buriti”, o único filme português em competição, traz “um dos temas mais urgentes da atualidade: a luta pela terra e as diferentes formas de resistência implementadas pela comunidade da aldeia Pedra Branca, situada na região Tocantins no Brasil.”
“O filme inicia-se em 1940, onde duas crianças do povo indígena Krahô encontram na escuridão da floresta um boi perigosamente perto da sua aldeia. Era o prenúncio de um violento massacre, perpetuado pelos fazendeiros da região. Em 1969, durante a Ditadura Militar, o Estado Brasileiro incita muitos dos sobreviventes a integrarem uma unidade militar. Hoje, diante de velhas e novas ameaças, os Krahô seguem caminhando sobre a sua terra sangrada, reinventando diariamente as infinitas formas de resistência.”, lê-se na sinopse.
“O filme nasce do desejo em pensar a relação dos Krahô com a terra, pensar em como essa relação vai sendo elaborada pela comunidade através dos tempos. As diferentes violências sofridas pelos Krahô nos últimos 100 anos também alavancaram um movimento de cuidado e reivindicação da terra como bem maior, condição primeira para que a comunidade possa viver dignamente e no exercício pleno de sua cultura”, explica a realizadora Renée Nader Messora.
“Nós não trabalhamos com um argumento fechado. A questão da terra é a espinha dorsal do filme. Propusemos aos “atores” trabalhar a partir desse eixo, criar um filme que pudesse viajar pelos tempos, pela memória, pelos mitos, mas, que, ao mesmo tempo fosse uma construção em aberto realizada enquanto fossemos filmando. A narrativa foi sendo construída com a Patpro, o Hyjnõ e o Ihjãc, que assinam igualmente o argumento”, explica o realizador, João Salaviza.
Filmado durante quinze meses, em película 16mm, dentro da Terra Indígena Kraholândia, “A Flor do Buriti” integra uma equipa e um elenco de não atores indígenas e não indígenas. Baseado em conversas e na realidade atual da comunidade, o filme “atravessa os últimos 80 anos dos Krahô, dando a conhecer ao espectador um massacre ocorrido em 1940, onde morreram mais de dezenas de indígenas. Perpetrado por dois fazendeiros da região, as violências praticadas naquele momento continuam a ecoar na memória das novas gerações.”
“Filmar o massacre era um grande dilema. Se por um lado é uma história que deve ser contada, por outro não nos interessava produzir imagens que perpetuassem novamente uma violência. Percebemos que a única forma de filmar essa sequência era a partir da memória compartilhada, a partir de relatos, do que ainda perdura no imaginário coletivo de um povo que insiste em sobreviver”, comenta Renée.
“A importância dos povos originários não reside apenas no conhecimento ancestral, mas também na elaboração de tecnologias totalmente sofisticadas de defesa da terra. Os Krahô estão radicalmente na contemporaneidade. O Festival também será importante como lugar para se formar novas alianças, e usar a sua capacidade de sedução cultural para que possam ser reativadas no futuro. De facto, o bolsonarismo foi um verdadeiro massacre, tanto na destruição dos povos e os seus direitos, como da terra. Agora, o que acontece é uma contra-ofensiva muito mais bela e forte que também tentamos filmar. O mundo está atento aos Krahô. É muito bom para nós, cineastas e aliados, ver o lugar que o filme pode ocupar.”, ressalta João Salaviza.
O filme, produzido pela Karõ Filmes, uma co-produção entre Portugal e Brasil, com apoio do ICA, RTP e ANCINE, será exibido pela primeira vez no Festival de Cannes 2023, entre 16 e 27 de maio.