“Que sabes tu sobre o Estaline?”
A certa altura alguém pergunta, retoricamente, digno de alguém que experienciou um sonho, uma concretização e que se depara agora com uma ilusão, e possivelmente, a deceção total, mas antes, é a negação que a faz reagir agressivamente perante a deturpação da memória Estalinista. A utopia comunista com que a União Soviética abraçou de todas as maneiras, e que após a morte do seu “anfitrião” – Josef Estaline – resiste em manter-se à luz das suas “glórias”. Infelizmente, o fim de um ciclo é somente adiado. A ideologia sobrevive, mas afinal o que é que resta dela?
“Caros Camaradas!” investe num experimento, um espelho de fatalidades de um regime nos seus últimos suspiros e dos seus peões, totalmente emergidos no fracasso, e para isso resgata um episódio que apenas fora tornado público em 1992 (até lá manteve-se na confidencialidade). O realizador russo Andrey Konchalovskiy, ainda contagiado com a fotografia preta e branca do seu anterior conto de Holocausto – “Paraíso” (2016) – e cooperando novamente com a sua mulher, a atriz Yuliya Vysotskaya, leva-nos ao massacre de Novocherkassk, decorrido naquela mesma cidade russa em 1962, em que uma manifestação de operários transforma num massacre orquestrado pelo exercito soviético e pela KGB.
O filme não tende em reduzir-se a um dispositivo de “evento à tela”, aproveitando o acontecimento como uma reflexão da queda intrínseca de um “gigante vermelho”. “Caros Camaradas!” espezinha o comunismo soviético astutamente através da ridicularização do dito “O Grande Outro”, que segundo o filósofo Slavoj Žižek corresponde a todos aqueles que, com a exceção do simbólico líder, transportam e fazem cumprir uma ideologia, crendo nela. O que acontece é que Konchalovskiy detalha as operações de contenção, sem nunca esconder-se no temor ou no fascínio, todas as figuras expostas nestes bastidores de “Poder” (entre aspas, porque tal força converteu-se em algo metafórico) são incapacitadas, comprometidas e acima de tudo, fragilizadas pelas suas evidentes fraquezas.
Depois do ridículo, segue-se a emoção, o apelo caloroso, a réstia humana que nos “manipula” ou que nos guia para ceticismos cruéis (“em que devo acreditar se não for no comunismo?”). Com o afastamento da farsa incrustada, “Caros Camaradas!” sugere a dramaturgia como solução à frieza do seu tecnicismo. Perde-se as estribeiras ao comentário de peripécia e avança-se no deboche enraivecido. Depois da fantasia, o que resta? Para estas personagens, esperar com um otimismo forçado (“vamos tornar-nos melhores”). A ilusão é o último reduto e nós não esperaríamos outra coisa!