Arranca hoje a 70.ª edição do Festival de Cinema de Berlim, sob nova direção de Carlo Chatrian e Mariette Rissenbeek. A exemplo dos anos anteriores, o festival segue com forte representação do cinema brasileiro e português e em coproduções com Brasil e Portugal.
O grande destaque português é a obra de estreia da realizadora Catarina Vasconcelos, o documentário A Metamorfose dos Pássaros.
O filme integra a nova secção competitiva da mostra, “Encounters”, que já foi descrita pelo próprio Chatrian, diretor artístico do festival, como uma espécie de Un Certain Regard, em referência a seção do festival de Cannes que busca dar espaço às novas vozes do cinema, geralmente primeiras ou segundas obras.
A nova seçcão da Berlinale quer mais que isso, quer fazer justiça a filmes de autores desconhecidos e proeminentes e a filmes que não tenham uma linguagem narrativa convencional e que, por isso, teriam dificuldade em encontrar o seu público fora do circuito dos festivais.
Já visionámos 4 dos filmes da nova seção: Isabella (Matías Piñeiro), Nackte Tiere (Melanie Waelde), Servants (Ivan Ostrochovský) e The Trouble With Being Born (Sandra Wollner), mas por causa do embargo, não podemos comentá-los aqui antes das suas estreias no festival. Quem já viu o filme de Catarina Vasconcelos diz se tratar de uma das entradas mais fortes do festival, um filme muito íntimo e pessoal; que é uma homenagem ao seu pai, contado como se fosse um diário e que já foi comparado aos filmes de Manoel de Oliveira e Agnès Varda.
Cinema brasileiro em época de Bolsonarismo
Quanto ao cinema brasileiro, a aposta é ainda maior que a do ano anterior, quando o festival apresentou 11 produções no total. Para esta edição de 2020, a Berlinale selecionou nada menos que 19 filmes brasileiros ou em coprodução com o Brasil. Num ano em que Bolsonaro persegue cineastas, corta verbas de apoio a fomentação do cinema, ou boicota produções importantes, como o candidato ao Óscar de melhor documentário, “Democracia em Vertigem”, o Brasil mostra fortes sinais de resistência.
A abundância de filmes vindos do outro lado do atlântico não é mera coincidência. Numa entrevista recente à Deutsche Welle, Carlo Chatrian se disse preocupado com os rumos do cinema brasileiro. O italiano acredita que esta boa safra de filmes inscritos no festival pode ser o efeito direto da política de esvaziamento cultural do governo Bolsonaro e afirmou ainda que a escolha de Kléber Mendonça Filho entre o júri encabeçado pelo inglês Jeremy Irons é um “recado” ao novo governo.
Das 19 produções selecionadas, os grandes destaques são “Todos Os Mortos”, filme de Caetano Gotardo e Marco Dutra que estreia na competição oficial e que se desenrola à volta do período da abolição da escravatura no Brasil; e o último filme do prolífico Karim Aïnouz “Nardjes A”, um documentário que segue a ativista que dá nome ao filme e que tem relações com o passado argelino do cineasta.
O festival abre hoje a noite com o filme canadiano “My Salinger Year”, que adapta o livro autobiográfico de Joanna Rakoff, quando esta começou a trabalhar como assistente da agente literária do escritor americano J.D. Salinger (“Uma Agulha no Palheiro”).