Cannes não é só feito de grandes estrelas, festas ou red steps, por de trás das câmaras do festival, os filmes são projetados em diferentes salas, nas quais a plateia é por várias vezes dominada por jovens cineastas; e na septuagésima quinta edição do mais importante festival de cinema do mundo, foi visível o reconhecimento do talento jovem nas diferentes secções. Destacamos, claro, a vitória de João Gonzalez com o merecido prémio do júri da Semaine de La Critique para melhor curta-metragem Ice Merchants em competição. Em 2021, na septuagésima quarta edição do festival, Portugal marcou presença na competição oficial de curta-metragem com Noite Turva de Diogo Salgado, e o Brasil com Sideral de Carlos Segundo e Céu de Agosto de Jasmin Tenucci.
Na seleção oficial do 75th Festival de Cannes, concorreram à Palma d’Ouro de melhor curta-metragem os seguintes filmes:
‘Same Old’ de Lloyd Lee Choi (US)
‘Luz Noturna’ de Kim Torres (Costa Rica)
‘Gakjil’ de Sujin Moon (Coreia do Sul)
‘Le Feu Au Lac’ de Pierre Menahem (França)
‘Uogos’ de Vytautas Katkus (Lituânia)
‘Lori’ de Abinash Bikram Shah (Nepal)
‘Po Sui Tai Yang Zhi Xin’ de Bi Gan (China)
‘TsuTsu’ de Amartei Armar (Ghana)
‘Hai Bian Sheng Qi Yi Zuo Xuan Ya’ de Jianying Chen (China) – Vencedor da Palma D’Ouro
Na sala Debussey do Palais des Festivals, as nove curtas foram apresentadas na presença do júri e dos realizadores, a sala estava cheia de público jovem e foram longos os aplausos antes, durante e após a exibição dos filmes a concurso. Nessa mesma tarde, os realizadores juntaram-se numa director’s talk na short film corner, onde discutiram com o público o processo criativo e de produção dos seus filmes. Foi neste momento mais íntimo que os autores falaram da génese dos projectos e da importância pessoal que os mesmos representam, foram várias as ideias que surgiram durante a pandemia e receios ultrapassados para tornar estas obras possíveis. Kim Torres, realizadora de Luz Noturna, afirmou nesta conversa informal que para ela todas as curtas comunicavam entre si e de certa maneira se completavam, de facto, temas sócio-políticos e familiares marcaram a maioria das curtas em competição, todas elas com uma estética visual arrojada, ao modo de Cannes, mas com estruturas narrativas distintas que tocaram em temas atuais, tais como a posição da mulher na família e sociedade, o quotidiano de estafetas emigrantes em países desenvolvidos, ou a questão tempo e espaço em situações de catástrofe.
Foi este último ‘Hai Bian Sheng Qi Yi Zuo Xuan Ya’ que valeu a Palma d’Ouro de melhor curta-metragem à jovem realizadora chinesa Jianying Chen. Esta curta conta a história de uma jovem que se despede da sua vila natal após um asteróide atingir a terra causando inúmeras catástrofes que põem em risco a sobrevivência desta pequena vila à beira rio; não me refiro a ‘don’t look up’ nem nada que se pareça, esta curta destacou-se por uma fotografia cuidada e uma direção de arte soberba que emergiram o espectador numa narrativa real e por vezes surrealista, tal como Chen afirmou no directors talk, que Tarkovsky foi uma inspiração no seu processo criativo, e tal se reflete nos momentos em que o espaço urbano e rural são retratados num ambiente pós-apocalíptico.
A menção honrosa foi para Lori de Abinash Bikram Shah, o primeiro filme nepalês no Festival de Cannes contou a história de uma jovem adolescente que ao tornar-se mulher vê-se obrigada a casar com um jovem da vila, a protagonista claramente é contra esta vontade que a sociedade lhe impõe, tenta até ao fim fugir dessa tradição.
Em suma, foi visível a elevada qualidade das curtas em competição, e pela segunda vez consecutiva uma jovem mulher realizadora venceu o prémio. Cabe ao festival dar espaço a jovens realizadores e profissionais da indústria, pois somos nós o futuro do cinema.