A 29.ª edição do Curtas Vila do Conde – International Film Festival contou com uma sessão de apresentação de quatro curtas realizadas, em contexto académico, por alunos de Mestrado da ESMAD. O mote lançado para a realização das curtas prendeu-se com a temática da comunidade piscatória da região e tem, por isso mesmo, colaboração com o Colectivo Bind’ó Peixe. O Colectivo marcou presença na sessão de apresentação na figura de Abel Coentrão, a par das professoras da ESMAD Maria João Cortesão e Patrícia Nogueira, e houve momento para debate.
Por ordem de apresentação, assistimos ao ensaio “Intervalos”, realizado por Cláudio Azevedo e Gisela Cruz, à curta “Irmãs Extra”, de Gabriella Florenzano, à curta “Rodovalho Azul-Tigrado”, de Inês Moreira, e, por fim, à curta “Espero por Ti”, de Rui Vasques.
Num claro manifesto feminista, as “Irmãs Extra” preenchem por completo a curta que procura dar a conhecer o lugar da mulher, desde a preparação inerente à embarcação e trabalho de pesca, até ao sofrimento e anseios por que elas passam de todas as vezes que os seus familiares homens entregam as suas vidas ao mistério do mar. Numa actividade marcadamente masculina, é pertinente e singular dar voz ao feminino que embala a força daqueles que pescam.
O sofrimento e os anseios consubstanciam-se, por diversas vezes, em Espera. Desta vez, num claro tom saudosista que podia emprestar os versos do poeta amarantino Teixeira de Pascoaes (pseudónimo de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos), “Espero por Ti” opta pela viagem de uma carta de luto, que na viagem que retrata do mar, sabemos a linha de partida e sempre desconhecemos o porto de desembarque do Cais Absoluto (nas palavras de Álvaro de Campos).
Uma criança prepara-se para uma viagem, num misto de aventura e de abertura ao mistério, desta vez com a força e serenidade simultâneas e características do tom infantil que vislumbra o espanto e a pureza do ser. Esta é a curta que alia a grandeza do mar e o seu poder de ocultação com a grandeza daqueles que jamais desistem de perseguir os sonhos. “Rodovalho Azul-Tigrado” pode não existir e é precisamente na essência do inexistente que reside a sua maior potência. A potência de perseguir algo desconhecido move todos os cineastas que, a par do menino que se dedica maximamente ao cuidado do preparo da sua viagem, ao embarcarem num filme correm sempre o risco da magia de contar uma história. Na personagem do menino que desbrava mundo, sem sair do sítio, a realizadora Inês Moreira ressalva em nós um azul-esperança.
A magia de contar histórias não deve jamais esconder o sujo, a par do polido. O ensaio dos realizadores Cláudio Azevedo e Gisela Cruz dá voz, mais que qualquer outra das curtas, à (des)integração da comunidade piscatória através do silêncio que emana dos dois pescadores presentes em todo o cenário do armazém filmado. Nesse cenário, e na companhia da Nossa Senhora da Boa Viagem, são assumidos os tormentos políticos que assombram a vida em sociedade, e, sendo a crítica um exercício para sempre inacabado, o plano cessa sem que a narrativa pudesse ter um fim. Enquanto assistimos à preparação da embarcação do Mãe Puríssima, podemos tomar consciência de que nada nas mudanças é puro, são resistências que se vão tecendo à imposição da vontade do poder local. Tais resistências ganham voz e corpo nas impressões narradas nos relatos radiofónicos, meio pelo qual se expressa a diversificada opinião pública. Ainda que diversificada, a opinião pública não deixa de manifestar uma cultura de identidade, ao passo que as pessoas ditas comuns são matéria prima documental para fazer pensar, ao ir para além da superfície narrativa. O fundo, a essência, o que acontece, não é a história que o relata, é o silêncio que o narra. Há resistências-outras que se vão tecendo, a par, com o silêncio em que ficam os trabalhadores entregues ao manuseamento das cordas para ir para o mar, ou nas palavras de Tolentino Mendonça «o silêncio não é um modo / de repouso ou suspensão / mas de resistência». O mesmo silêncio-nosso aquando do término da curta, que ora pode ser vista cruelmente como um princípio sem fim, ou pode escolher-se ver com beleza e com ternura o começo de algo porvir.