“Uncut Gems” (2019) é um thriller realizado pelos irmãos Safdie (Josh e Benny), que se encontra disponível na Netflix. Foi também escrito pelos irmãos Safdie em parceria com Ronald Bronstein, tendo como actor principal nada mais nada menos que Adam Sandler. Não menosprezando o filme, que à crítica faz lembrar os trabalhos James Toback, John Cassavetes e os primeiros filmes de Martin Scorsese – produtor executivo deste filme – a actuação de Sandler é uma das mais marcantes da sua carreira, levando o actor, em jeito de brincadeira, a prometer que, caso não fosse nomeado para um Óscar, como vingança, faria um filme mau só para irritar. A nomeação acabou por não acontecer, no entanto, a performance de Sandler enquanto joalheiro no conhecido Diamond District em Nova Iorque é sem dúvida uma das melhores do ano e provavelmente uma das melhores da sua já extensa carreira.
“Uncut Gems” conta história de Howard Ratner, um carismático joalheiro judeu, viciado em apostas e sempre à procura da próxima oportunidade para ganhar a sorte grande. A vida de Howard divide-se entre os seus negócios, as suas avultadas dívidas e uma problemática vida familiar. Estando a passar por um processo de divórcio com Dinah (Idina Menzel), Howard mantem uma relação extraconjugal com Julia, uma das empregadas da sua loja de diamantes.
O filme começa com a descoberta de uma opala negra (o equivalente a um diamante de sangue) numa mina na Etiópia. Através da importação ilegal, Howard espera conseguir ganhar bastante dinheiro com a sua venda em leilão. No entanto, tudo parece contrariar esse lucro iminente, começando pelo famoso cliente de Howard, o jogador da NBA, Kevin Garnett que fica fascinado com a pedra, acreditando que esta tem poderes que lhe possibilitam alcançar a vitória nos campos de basquetebol.
Inicialmente, os negócios parecem estar a correr bem a Howard, muito por causa da parceria que mantém com Demany (Lakeith Stanfield). Em troca de uma percentagem da venda, Demany leva celebridades do mundo da música e do desporto à fortificada loja de Howard. Contudo, rapidamente percebemos que os negócios não vão assim tão bem. O seu vício nas apostas intensifica-se, escapando do seu controlo. Howard não é capaz de o problema, chegando ao ponto de penhorar objectos de clientes – que os deixam na sua loja para limpeza ou reparo – para obter empréstimos. O dinheiro é usado primeiro como garantia aos seus cobradores. Numa das cenas, Howard fotografa o dinheiro e envia a imagem aos seus cobradores como forma de provar que o tem. No entanto, logo na cena seguinte, Howard usa esse mesmo dinheiro para fazer apostas em jogos de basquetebol.
“Uncut Gems” é frenético do início ao fim. Howard está em constante movimento, sempre à procura de uma forma de ganhar mais dinheiro, enquanto tenta convencer os seus cobradores de que a sua próxima aposta garante o pagamento das dívidas. É talvez um dos pontos mais fortes da performance de Sandler: ter criado uma personagem que mistura o optimismo, a alegria delirante e a recusa do medo em situações em que a sua vida corre perigo. Howard é um fala-barato em constante ebulição. É daquelas personagens com que muitas pessoas vão tentar simpatizar, mas que, ao mesmo tempo, é impossível não nos irritar por falar tanto, tão alto e tão rápido ou pelas situações em que se coloca.
“Uncut Gems” é um filme capaz de deixar os seus espectadores desorientados à procura de alguma lucidez no mundo caótico de Howard, ou não estivéssemos a falar de um filme dos irmãos Safdie, que já nos habituaram a este género de sentimentos. “The Pleasure of Being Robbed” (2008) é um exemplo dessa viagem ao interior autodestrutivo das personagens. Em “Daddy Longlegs” apresentam-nos um pai disfuncional e em “Good Time” (2017) um criminoso infeliz interpretado por Robert Pattinson. “Uncut Gems” é cinema frenético capaz de nos sobressaltar enquanto esperamos pela cena seguinte.
Sem estreia em Portugal, o filme encontra-se disponível desde o dia 31 de Janeiro na Netflix.