O ator Edgar Morais anunciou numa carta enviada à Academia Portuguesa de Cinema (APC) a sua saída da instituição, após a divulgação dos nomeados aos Prémios Sophia 2025, onde apenas o seu irmão gémeo, o ator Rafael Morais, foi nomeado para a categoria de Melhor Ator. Em comunicado, o ator expressou o seu profundo desagrado com a decisão da Academia e decidiu rescindir imediatamente a sua filiação, deixando duras críticas à APC.
Edgar Morais diz ter-se sentido obrigado a distanciar-se da Academia, por não se terem mantido “os ideais de mérito, justiça e integridade. Rescindo por isso, com efeito imediato, a minha filiação à Academia Portuguesa de Cinema (…) juntamente com todas as suas respetivas funções e quotas, assim como a nomeação para Melhor Curta-Metragem de Ficção em 2022 pelo meu filme ‘We Won’t Forget’.”
Em comunicado, Edgar Morais demonstra-se insatisfeito com a exclusão e não valorização do seu próprio trabalho em “Um Café e um Par de Sapatos Novos” (2022), uma co-produção que junta Portugal e a Albânia, realizado pelo albanês Gentian Koçi e protagonizado pelo próprio Edgar juntamente com Rafael Morais, seu irmão gémeo. No filme, interpretam gémeos com o mesmo tempo de ecrã e aparência física intencionalmente indistinguível.
O ator afirma que a decisão da Academia em nomear apenas um dos irmãos protagonistas, apesar de ambos partilharem o mesmo tempo de ecrã, evidenciava uma falha grave nos princípios da instituição. “Ao ter tomado a decisão de nomear e anunciar publicamente a nomeação para apenas uma das interpretações (…) a Academia não só revelou e admitiu sem reserva alguma que os seus prémios e nomeações são ilegítimos e não se baseiam em mérito, como também não se preocupa com essa questão, mostrando assim a todos os seus membros, publicamente e em voz alta, não só que a própria associação não está certamente de forma alguma familiarizada com os filmes que nomeia, mas que, assumindo que os votos são de facto contados, a maioria dos seus membros também não está familiarizada ou nem sequer assiste aos filmes nos quais votam e que são por isso, naturalmente, tendenciosos nas suas escolhas, fazendo com que os seus prémios deixem automaticamente de ter qualquer valor para todos os nomeados e vencedores, passados e presentes.”, afirma Edgar Morais.

“Como poderia este reconhecimento ser uma honra ou ter qualquer valor para mim, tivesse sido eu o único nomeado, sabendo que a natureza única deste filme faz com que seja, como quem viu o filme pode atestar, objetivamente impossível para o seu público diferenciar e, portanto preferir uma performance em detrimento da outra? Onde está a honra em ser reconhecido em grande parte pela atuação de outro ator? Como foi esta nomeação possível?”
Mais à frente no comunicado, Edgar Morais acusa a Academia Portuguesa de Cinema de falta de transparência, exigindo que a mesma “requer um alto nível de escrutínio e transparência em todas as suas ações, sejam elas financeiras ou relacionadas com o processo de seleção e votação para os seus prémios.”
O ator levanta questões de transparência e a imparcialidade do processo de nomeação e votação na Academia Portuguesa de Cinema, deixando por isso quatro medidas necessárias imediatas:
“a) Haja uma reestruturação dos organizadores e órgãos sociais da Academia, (que são todos brancos), para incluir uma gama mais representativa de vozes e etnias, que façam melhor justiça ao cinema português e aos seus profissionais;
b) Seja feita uma revisão e reestruturação completa da plataforma de votação para os Prémios Sophia como um esforço para, de forma comprovável e mais transparente, aceitar e validar apenas os votos dos membros que realmente veem os filmes em que estão a votar, quer na sua totalidade ou por um número mínimo de minutos previamente acordado e aceite pelos membros da Academia;
c) Seja contratada uma empresa independente para contar e verificar com exatidão de forma privada e responsável os votos para os Prémios Sophia, (tal como é a norma em outras cerimónias do género em todo o mundo), evitando assim a potencial manipulação de votos por parte dos organizadores da Academia e desta forma mitigar também os efeitos da dinâmica de poder que inevitável e injustamente, direta e/ou indiretamente, influencia quem é reconhecido pela organização ano após ano;
d) Seja criada uma plataforma gerida por terceiros e para que os membros possam, de forma anónima e segura, reportar quaisquer abusos, corrupção, subornos e favoritismos dentro da Academia para que possam ser devidamente investigados.”
Edgar Morais termina o comunicado desejando que Portugal “venha a ter a Academia que merece, uma organização legítima de prestígio e honra para a comunidade cinematográfica portuguesa.”. A Academia Portuguesa de Cinema ainda não se pronunciou publicamente sobre a desfiliação de Edgar Morais.
Em 2020, a Academia Portuguesa foi alvo de polémica por uma situação idêntica: duas irmãs gémeas, mas apenas uma é nomeada. Na 8.ª edição dos Prémios Sophia apenas a atriz Anabela Moreira foi nomeada pelo filme “Diamantino” à categoria de Melhor Atriz Secundária, deixando de parte a irmã gémea e também atriz Margarida Moreira. No entanto, a Academia reconheceu logo o erro e nomeou as duas atrizes à mesma categoria.
Estreado em outubro de 2024 nas salas de cinema portuguesas, “Um Café e um Par de Sapatos Novos” é um drama inspirado numa história verídica sobre dois irmãos gémeos surdos-mudos que descobrem uma doença genética rara que imporá uma iminente cegueira progressiva e irreversível nas suas vidas. O filme tem sido reconhecido em diversos festivais internacionais, tendo conquistado vários prémios para ambos os atores protagonistas. Esta foi a primeira vez que os irmãos Edgar e Rafael trabalharam juntos enquanto protagonistas: “Foi também a primeira vez que trabalhei profissionalmente com o Rafael num projeto enquanto protagonistas; já tínhamos trabalhado juntos, mas nada assim deste nível. Sim, houve bastante do Edgar e do Rafael nas personagens.”, afirmava o ator Edgar Morais em entrevista ao Cinema Sétima Arte.
O ator Edgar Morais é conhecido sobretudo pelo seu trabalho em filmes como “Daqui P’ra Frente” (2007), “Restos do Vento” (2022) e “O Pior Homem de Londres” (2024), mas também como realizador de duas curtas-metragens. Edgar está a realizar a sua primeira longa-metragem “You Above All”, protagonizada por Anabela Moreira e Rita Blanco, que se encontra em fase de pós-produção.