Cinco anos após a publicação da primeira de muitas reportagens do jornal “The New York Times”, acusando o produtor hollywoodiano Harvey Weinstein de assédio e abuso sexual, podemos conhecer melhor o trabalho envolvido nesta investigação. Intitulada “Harvey Weinstein pagou durante décadas a acusadoras de assédio”, a peça jornalística foi ao ar em 5 de Outubro de 2017, tendo sido transformada em livro dois anos depois, e agora chega aos cinemas portugueses nesta quinta-feira (17).
“Ela Disse”, longa ficcional da alemã Maria Schrader (realizadora premiada pela série de TV “Nada Ortodoxa”, de 2020), revela os bastidores da apuração feita pelas jornalistas Megan Twohey e Jodi Kantor. Com roteiro adaptado pela inglesa Rebecca Lenkiewicz, conhecida por “Desobediência” (2017) e “Colette” (2018), “Ela Disse” se passa em Nova York, alguns meses após a eleição presidencial nos EUA em 2016, porém começa com um flashback na Irlanda, em 1992. As cenas que apresentam a jovem assistente Laura Madden vão rapidamente da felicidade pelo novo emprego num set de filmagens ao desespero, em que ela corre pelas ruas em lágrimas, a fugir de algo.
Ao longo do filme haverá mais flashbacks justamente porque as denúncias contra Weinstein existem desde a década de 1990. As práticas abusivas e predadoras do produtor não eram só apenas conhecidas como toleradas pela indústria cinematográfica e acobertadas pela sua própria empresa, a Miramax Films. É por aí que Kantor (interpretada pela Zoe Kazan), repórter especializada em investigar assédio em local de trabalho, em empresas como Starbucks e Amazon, inicia a sua pesquisa.
Seu primeiro telefonema é para a atriz Rose McGowan, uma das primeiras a denunciar publicamente Weinstein e que disse ter sua carreira destruída por conta disso. Quase a mesma declaração é feita pela atriz Ashley Judd, que corajosamente aparece no filme a interpretar a si mesma. Judd também afirma ter deixado de conseguir papéis em grandes filmes após ter confrontado Weinstein. Outra atriz que topou falar na altura sobre os abusos é a Gwyneth Paltrow, vencedora do Oscar por “A Paixão de Shakespeare” (filme produzido pela Miramax de Weinstein), e cujo ex-namorado Brad Pitt é o produtor-executivo de “Ela Disse”.
Porém, em meio a tantas chamadas telefônicas e emails, Kantor não trabalha sozinha. Twohey (vivida pela incrível Carey Mulligan), repórter que revelou alegações de assédio sexual contra Donald Trump na véspera da eleição, junta-se a Kantor. Ela sugere delas também tentarem entrevistar mulheres que eram funcionárias na Miramax, além das atrizes famosas. As duas jornalistas foram, assim, reunindo depoimentos confidenciais (off-record) que revelaram um padrão bizarro de ataques sexuais disfarçados de reuniões de negócios; todo um sistema de pagamentos milionários e acordos para que as vítimas ficassem quietas; e uma cultura de medo e de intimidação que silenciou várias mulheres por anos.
Apesar dos relatos detalhados de assédio, a realizadora e a diretora de fotografia Natasha Braier optaram por não retratar qualquer tipo de agressão. No lugar, elas filmam corredores vazios de hotéis de luxo, um chuveiro ligado, um roupão jogado em cima da cama, enquanto os depoimentos são dados às jornalistas.
Após a publicação da reportagem, mais de 80 mulheres alegaram também terem sido vítimas do produtor. Em Dezembro de 2017, por exemplo, a atriz mexicana Salma Hayek, cujo filme “Frida” (2002) foi produzido pela Miramax, publicou um artigo perturbador no “New York Times” intitulado “Harvey Weinstein é o meu monstro também”. Weinstein foi demitido da Miramax, expulso de organizações como a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, e levado a julgamento em Nova York. Considerado culpado de estupro e ato sexual criminoso, ele foi condenado a 23 anos de prisão e começou a cumprir a sentença em Março de 2020.
“Ela Disse”, portanto, reverencia não apenas o trabalho de Kantor e Twohey, mas o esforço colectivo das mulheres sobreviventes que levou à queda de Weinstein. Um grupo de mulheres forçadas a abandonarem os seus sonhos e que, agora, incentivam um movimento em grande escala para que isto não volte a se repertir com outras gerações.
