Todas as sextas-feiras, a agenda Elas no Cinema em Lisboa publica aqui no Cinema Sétima Arte recomendações de filmes realizados por mulheres de diferentes partes do mundo. Inspiradas pelo desafio #52FilmsbyWomen, que consiste em assistir a um filme realizado por mulher por semana, queremos contribuir para ampliar o repertório cinematográfico, incluindo cineastas e filmes nem sempre conhecidos do grande público. Buscaremos dar prioridade a obras que estão disponíveis em streamings ou nas salas de cinema de Portugal na altura da publicação dos textos. Mas, sabendo do desafio que é manter em circuito filmes que não ganham tanta visibilidade ou repercussão, nem sempre será possível. De qualquer forma, convidamos todas as pessoas interessadas a partilharem as suas sugestões.
Para esta terceira semana, escolhi três (quatro, na verdade) filmes que mostram formas diferentes de se lidar com a morte (esperada, anunciada, repentina) de uma pessoa querida, seja através da homenagem, do humor ou da apropriação da vida, em filmes experimentais, absurdos ou poéticos. São obras que me impactaram profundamente quando os vi pela primeira vez, e, sempre que me lembro delas, o meu corpo vibra. Espero que impactem vocês também.
*
CANADÁ
“Prayer” + “Another Prayer”
[Modlitwa, 2013 + Dalsza Modlitwa, 2013]
Realização: Sofia Bohdanowicz
As duas primeiras curtas da canadiana Sofia Bohdanowicz são um elogio à sua avó, ao cinema e à morte. Em “Prayer”, ela filma a sua avó na sua casa a fazer as atividades banais do quotidiano. Além de ouvirmos a avó falar em polaco ao telefone, ouvimos também a bisavó, a poeta Zofia Bohdanowiczowa, ler uma oração que olha pelos trabalhadores e deseja um mundo mais justo. Logo após a avó falecer, Sofia Bohdanowicz retorna à mesma casa e filma “Another Prayer”. Com um projetor, a cineasta reenquadra com precisão os mesmos planos feitos no primeiro filme, resultando numa sobreposição de imagens que trazem o corpo virtual da sua avó para sempre vivo em imagem. Neste segundo filme já não há oração ou conversas telefónicas, há apenas o olhar nostálgico de uma neta que busca protelar a morte da avó. O modo como Chantal Akerman filma o espaço doméstico, os gestos e o tempo da vida quotidiana repercute de forma única na estética dos filmes de Bohdanowicz, especialmente nessas duas curtas, e também numa outra, “An Evening” (2013), que faz parte dessa série sobre a memória da avó. Escrevi aqui sobre essas três curtas quando a filmografia completa da cineasta passou no Doclisboa, em 2019.
*
GRÉCIA
“Attenberg”
[2010]
Realização: Athina Rachel Tsangari
Disponível na Mubi
Marina (Ariane Labed), uma jovem de 23 anos, acompanha o pai moribundo que está internado num hospital fazendo um tratamento. Entre os documentários de David Attenborough sobre a vida animal que assiste habitualmente, ela tenta superar a sua aversão por outros seres humanos com a sua melhor amiga, esta, sim, experiente e sociável. Ao naturalizar personagens excêntricos com diálogos improváveis, o filme leva ao limite os últimos dias de Marina com o seu pai e os primeiros da sua iniciação sexual. A paisagem urbana decadente, parte do contexto grego da época, cria uma atmosfera de suspensão em que tudo é possível porque já não se crê em nada. Athina Rachel Tsangari faz um filme íntimo e de humor peculiar para tratar de temas como o desejo e a morte. Parte do Greek Weird Wave, e com a participação de Yorgus Lanthimos no elenco, “Attenberg” é uma joia tão pouco assistida quanto falada.
*
PERU
“A Teta Assustada”
[La Teta Asustada, 2009]
Realização: Claudia Llosa
Disponível na Mubi
Fausta (Magaly Solier) é uma mulher indígena que sofre de uma doença rara transmitida pelo leite materno de mulheres que foram violadas durante ou logo após a gravidez na época da guerra civil. A doença, chamada Teta Assutada, faz com que Fausta tenha medo de se relacionar minimamente com pessoas que não sejam as poucas do seu núcleo familiar. Com a morte da sua mãe, Fausta sente necessidade de ter um emprego para, com o dinheiro, conseguir enterrar o corpo da mãe ao vilarejo onde nasceu. “A Teta Assustada” é um filme sensível e poético, aborda a apropriação da vida pelo encontro entre a morte e a vida, a periferia e o centro, o indígena e o branco, o quechua e o espanhol. A forma como Claudia Llosa filma os personagens e a paisagem árida da capital peruana complexifica as relações entre eles. Apesar de as ameaças do desconhecido acentuarem as diferenças entre as pessoas na cidade, é possível encontrar afinidades e desenvolver afetos. Com esse filme, a realizadora ganhou o Urso de Ouro de Berlim, em 2009, e foi indicada aos Óscares na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.
*
Acompanhem as nossas recomendações semanais:
Elas no Cinema pelo Mundo #1 – Palestina, Chile, Argentina
Elas no Cinema pelo Mundo #2 – Afeganistão, África do Sul, Albânia