Elas no Cinema pelo Mundo #5 – México, Nova Zelândia, Irão

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Às sextas-feiras, nós, do Elas no Cinema em Lisboa, publicaremos aqui no Cinema Sétima Arte sugestões de filmes realizados por mulheres de diferentes partes do mundo. Inspiradas no desafio #52FilmsbyWomen, o nosso objetivo é fazer chegar a mais pessoas filmes geralmente pouco conhecidos, mas potentes na sua capacidade de nos fazer se identificar com personagens e situações muitas vezes inseridas em realidades diferentes das nossas. Embora nem sempre seja possível, buscaremos priorizar filmes que estão disponíveis em streamings ou salas de cinema. Partilhem conosco os seus filmes realizados por mulheres favoritos!

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Às vezes, o que me faz lembrar de um filme, não é necessariamente a sua história, mas um detalhe específico. Nesta quinta semana, selecionei três filmes que se unem pelas cenas em que as personagens interagem com determinados objetos, seja enquanto veem, tocam ou seguram-nos. O que fica marcado são as relações que se estabelecem por causa de um objeto. 

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MÉXICO

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“El Lugar Más Pequeño”
[2011]
Realização: Tatiana Huezo

Embora “El Lugar Más Pequeño” tenha sido produzido no México, o filme se passa em El Salvador, numa pequena aldeia chamada Cinquera, onde nasceu a avó de Tatiana Huezo, a realizadora. Cinquera foi destruída pelos militares durante a Guerra Civil salvadorenha nos anos 1980, obrigando a população sobrevivente a abandoná-la. Anos mais tarde, os antigos habitantes retornaram à comunidade e reconstruíram-na por amor aos que morreram e à terra. Nesta primeira longa-metragem de Huezo, os áudios de testemunhos sobre os conflitos, as mortes e os consequentes traumas complementam as imagens dos moradores realizando atividades quotidianas na aldeia. O resultado é uma atmosfera fantasmagórica que une o passado trágico ao presente revitalizado.

O que traz materialidade para essa história de fantasmas são os objetos. Quando Tatiana Huezo visitou Cinquera pela primeira vez, a pedido da sua avó, visitou a igreja e viu que a fachada estava cheia de estilhaços e buracos de balas. Numa das paredes estava pendurada uma cauda de helicóptero militar e, em vez de imagens religiosas, havia fileiras de retratos de crianças e adolescentes guerrilheiros, mortos durante a Guerra Civil. Para a realizadora, essa é uma história de um povo que é capaz de se levantar, se reconstruir e se reinventar depois de ter vivido algo terrível. 

 

Apesar de “El Lugar Más Pequeño” não estar disponível em nenhum streaming, há outro filme da Tatiana Huezo que está: “Prayers for the Stolen” (“Noche de Fuego”) pode ser assistido na Netflix. Essa é a primeira longa de ficção da realizadora e é adaptado do livro homónimo, escrito pela americana-mexicana Jennifer Clement. O filme se passa numa região montanhosa do México e acompanha três adolescentes que vivem em meio à violência. É lindo, vale muito a pena.

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NOVA ZELÂNDIA

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“O Piano”
[The Piano, 1993]
Realização: Jane Campion

Mesmo que esta recomendação possa ser considerada clichê porque toda a gente já deve ter assistido ao filme “O Piano”, vou insistir, porque eu mesma só fui saber dele muitos anos depois do seu sucesso. O motivo de estar aqui poderia ser pelos prémios conquistados ou pelo marco de Jane Campion ter sido a primeira mulher a ganhar o prémio principal de Cannes (e ainda assim foi ex-aqueo). Quero recomendar “O Piano” pelo seu objeto-título. No filme, o instrumento musical aparece como um objeto erótico de desejo, de poder feminino, que a Ada, (a protagonista interpretada por Holly Hunter) toca para o seu próprio prazer e permite que poucos também os toquem. Pela influência que esse instrumento tem, tirá-lo do acesso de Ada funciona como uma tentativa de manutenção do poder masculino pelo controlo dos desejos femininos, mas essa tentativa é falhada porque sucumbe diante da insubordinação de uma mulher. Atualmente, o filme não está mais disponível em nenhum streaming, mas é certo que voltará em algum momento. Eventualmente, “O Piano” também é exibido nas salas do cinema – uma programação imperdível.

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IRÃO

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“Irani Bag”
[2020]
Realização: Maryam Tafakory
Disponível no Vimeo

Quando assisti a esse filme, fiquei maravilhada pelo olhar atento de Maryam Tafakory em perceber esta característica particular de mediação que a bolsa tem entre as mulheres e os homens no cinema iraniano. A cineasta fala que as bolsas são “mediadoras do toque”. Diante da proibição de homens e mulheres encostarem-se em frente à câmara, quando tocar quando não se pode? Essa é a pergunta que guia “Irani Bag”. A resposta vem de outros filmes, do processo de associação materializada pela montagem. A memória figurativa aciona a bolsa como um motivo visual: uma imagem que viaja ao longo de géneros e décadas do cinema iraniano, servindo de extensão do corpo feminino. O toque que emerge do não toque. Diante de um conflito, a bolsa é usada pelos homens para controlar as mulheres; e, por elas, é usada para se protegerem, se defenderem e atacarem eles. Mas em situações harmoniosas, a bolsa também serve como extensão erótica do toque: toca-se na bolsa como se tocasse no corpo. O filme está disponível no canal do Vimeo da realizadora, assim como outras curtas. Recomendo muito assistir as outras produções, todas muito interessantes.

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