Fundação José Saramago celebra 103 anos do escritor com documentário inédito

O documentário de Carmen Castillo revela o lado mais íntimo de José Saramago e revisita as suas reflexões sobre a memória, a criação literária e o tempo
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Via: Revista Mar

No dia 18 de Novembro (terça-feira), a Fundação José Saramago assinala o 103.º aniversário do autor com a exibição do documentário “José Saramago. O tempo de uma memória”, da cineasta chilena Carmen Castillo.

O filme revela um retrato íntimo de Saramago, construído a partir das suas próprias reflexões sobre a memória, a criação literária e o tempo. Participam na obra Sebastião Salgado, Lélia Salgado, Maria de Medeiros, Marisa Paredes e David Elbaz.

A exibição terá lugar na sede da Fundação, na Casa dos Bicos, Rua dos Bacalhoeiros, 1100-135 Lisboa. A entrada é livre, sujeita à lotação da sala.

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“José Saramago. O tempo de uma memória”

O documentário é composto por entrevistas que a cineasta chilena Carmen Castillo realizou a José Saramago. Em declarações à TSF, a realizadora afirmou que o filme revela um lado mais íntimo do autor. Não aborda a sua biografia nem a sua morte, mas o homem em si, íntimo, humano e político.

A obra procura mergulhar no mistério de um escritor extraordinário e compreender de que modo a sua criação, a sua maneira de ser, a sua postura e a sua visão do mundo nos podem ajudar a decifrar o tempo em que vivemos.

O filme reflecte também sobre a influência de Saramago nas artes, mostrando como a sua escrita inspirou a ópera, o teatro, a fotografia e o cinema.

José Saramago

José de Sousa, o verdadeiro nome de José Saramago, nasceu a 16 de Novembro de 1922 na pequena aldeia da Azinhaga, no Ribatejo. Nada parecia anunciar uma carreira literária notável, e o êxito, quando veio, tardou.

Filho de lavradores pobres, cresceu entre os campos e o labor árduo de uma família que sobrevivia dos salários miseráveis pagos pelos grandes latifundiários. O pai lia pouco, a mãe era analfabeta e guardava a sabedoria silenciosa dos dias.

O apelido Saramago surgiu quase por acaso, talvez por ironia do destino. A palavra designa uma erva comestível, um rabanete bravo de que a gente do campo se alimentava em tempos de fome. Um escrivão acrescentou o nome vegetal ao Sousa original, por engano ou desdém. Só em Lisboa, ao matricular-se na escola, o erro se revelou e Saramago nunca mais o abandonou.

Apesar das boas notas, a pobreza impediu-o de prosseguir estudos. Tornou-se mecânico de automóveis, mas nas horas livres encontrou refúgio nos livros. Nas bibliotecas públicas de Lisboa educou-se a si mesmo e descobriu o mundo das palavras. Essa curiosidade insaciável conduziu-o ao jornalismo e ao trabalho em editoras.

Em 1947, aos vinte e cinco anos, publicou o seu primeiro romance, “Terra do Pecado”. A recepção foi discreta e, desiludido, abandonou a ficção durante quase duas décadas. Dois anos depois perdeu o cargo interino no Ministério dos Assuntos Sociais, sob suspeita política do regime salazarista.

Nos anos seguintes trabalhou como tradutor e editor, em contacto com escritores críticos do regime e das injustiças sociais. Em 1966, com quarenta e quatro anos, regressou à escrita com o livro de poemas “Os Poemas Possíveis”. Nessa época envolveu-se activamente na resistência antifascista e, em 1969, aderiu ao Partido Comunista Português, então ilegal.

A Revolução dos Cravos, em 1974, acendeu-lhe grandes esperanças, mas o país pós-revolucionário rapidamente o desiludiu. O regime caiu, mas o anticomunismo persistiu. Perdeu os cargos que exercia no Ministério da Educação e no jornal “Diário de Notícias”, ficando sem perspectivas de trabalho.

Em 1976, aos cinquenta e quatro anos, decidiu por necessidade e convicção dedicar-se inteiramente à escrita. Deixou o jornalismo e publicou, em 1977, “Manual de Pintura e Caligrafia”, obra que marcou o início da sua maturidade literária.

O reconhecimento chegou tardiamente, mas em força. A partir dos anos oitenta Saramago consolidou-se como o mais importante escritor português contemporâneo, projectando-se internacionalmente com “Viagem a Portugal” e “Memorial do Convento”. As traduções multiplicaram-se e, pela primeira vez, alcançou independência financeira.

Seguiram-se obras decisivas para a literatura europeia, entre elas “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, “A Jangada de Pedra”, “História do Cerco de Lisboa”, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, “In Nomine Dei” e “Ensaio sobre a Cegueira”.

Em 1998 recebeu o Prémio Nobel da Literatura, tornando-se o primeiro autor de língua portuguesa a conquistar tal distinção. Continuou a escrever com vigor até ao fim da vida. O seu último romance, “Caim”, foi publicado em 2009, um ano antes da sua morte.