“Futura” é um documentário rodado em 16 mm com autoria partilhada de três grandes realizadores italianos atuais: Alice Rohrwacher (“Feliz como Lázaro”, 2018), Pietro Marcello (“Martin Eden”, 2019) e Francesco Munzi (“Almas Negras”, 2014).
Cada um deles vai percorrer a Itália em busca dos testemunhos de jovens, na sua maioria adolescentes, mas também jovens adultos, para tecer um retrato do país presente de acordo com a sua visão.
Se, por um lado, se acredita que essa visão é apresentada ao espetador sem filtros, por outro lado, quem sabe que filtros foram aplicados involuntária ou voluntariamente, tendo em conta que os interlocutores são gente adulta já feita, mesmo que as suas perguntas sejam pertinentes e desprendidas.
Apoiado em imagens recolhidas dentro do mesmo género por realizadores italianos do passado, “Futura” parte não tanto para traçar um retrato do futuro, mas para deixar o mesmo tipo de testemunho deixado pelos realizadores que já trilharam estes caminhos.
“Futura” pretende ser uma espécie de cápsula do tempo, mas ao mesmo tempo destacar aqueles que vão ser os adultos de amanhã e como é que estes se posicionam em relação a questões sociais que lhes são próximas.
O documentário pode parecer confuso na sua edição, mas acaba por traçar um belíssimo caleidoscópio de vivências que mostra o quão diversa é a realidade social da Itália, um país enorme e que não é nem pode ser encarado como uma enorme massa sem forma.
“Futura” passeia tanto pelas classes desprivilegiadas, pelos subúrbios, pelas zonas rurais, como pelas elites, tentando mostrar como não só as preocupações são diferentes, mas também o modo de pensar o futuro é tão diverso.
É, pois, alarmante, que a maioria dos testemunhos esteja isento de muita emoção e raros sejam os que mencionam o amor como projeção, por exemplo. O objetivo da maioria dos intervenientes é sentir-se realizado, ter um trabalho estável, fazer um futuro decalcado das expetativas criadas pelo passado, curiosamente.
Daí até ao medo do futuro pela impossibilidade que já o presente lhes mostra, vai um pequeno passo e, por isso, a esse medo se mistura a estranha necessidade de protestar por um amanhã melhor, mas dentro das regras, dentro de certos limites, para que não se repitam protestos violentos ou confrontos com a polícia – há um respeito grande pela autoridade.
Pensar a juventude desde há décadas compreende essa irreverência e preparação para correr riscos sem pensar muito, mas o que “Futura” nos apresenta é uma geração totalmente diferente, que corre riscos calculados e crê que a Itália não tem nada para lhes oferecer.
É um retrato tão frio como as tonalidades que o 16 mm confere ao documentário, quase inesperado que a juventude retratada seja tão comedida. Contudo, é uma geração muito mais bem preparada, mais letrada, informada, que não tem problemas em dissertar sobre quase tudo ou, até, nomear algo como a dificuldade em ser-se lésbica nos meios mais pequenos.
Se, por um lado, não existe medo em falar sobre praticamente tudo e há uma enorme capacidade e preparação técnica, por outro essas capacidades não impulsionam, não levam à ação, é um limbo palpável que os próprios visados parecem reconhecer: ficam indecisos quando alguém lhes pergunta como se veem no futuro.
“Futura” é um grande e diverso retrato sobre o presente da Itália e podia, de facto, ser muito maior e incluir mais material, aprofundar algumas das questões que coloca, mas pretende apenas representar o maior leque possível de gente com as mais diversas experiências.
Do filme, os realizadores não são indivíduos ausentes, por isso “Futura” não é um mero retrato, isento, testemunho após testemunho, já que há uma narração, uma interpretação e um desejo para o que esta experiência representa para cada um dos intervenientes.
As suas últimas imagens parecem atestar finalmente esse desejo de estar presente e não apenas apresentar os testemunhos e deixá-los falar por si, embora na sua grande maioria eles cumpram essa função básica.
O presente fala, o futuro saberá o que retirar destas cápsulas do tempo de uma Itália em que a juventude não está em marcha, mas caminha a passos lentos entre as suas grandes expetativas e uma realidade que lhes parece desfasada dos seus objetivos.
Muito se discute e pouco se concretiza, mas “Futura” avança, mesmo que não seja propriamente um poço de novidades estilísticas. A sua fotografia nostálgica empresta-lhe precisamente o que quer dar ao espetador, uma sensação de modorra que combina com estes jovens que tentam entrever um futuro, mas ora lutam com o que a sociedade lhes apresenta e é insuficiente, ora estão a lutar contra uma pandemia de proporções nunca antes vistas.
“Futura” começou a ser rodado em 2020, por isso incorpora a experiência de filmar entre confinamentos e mostra alguns dos efeitos que isso tem nos jovens que veem os seus sonhos interrompidos por algo mais do que uma realidade local, o tecido social ou as barreiras laborais.
“Futura” é uma escolha laboriosa de diversidade e uma peça dotada de estranha nostalgia que não combina com o seu título, mas faz todo o sentido quando em comparação com o conteúdo dos testemunhos.
Teme-se pelo futuro quando os jovens anseiam pelas regras, pelos limites, pelas leis e desejam, na verdade, sem querer, que o seu futuro possa ser cerceado por realidades como as que a Europa vai vendo ressurgir em diversos dos seus países, nomeadamente a Itália.
“Futura” é uma belíssima compreensão do presente, de resto o futuro só a nós pertence.
