A propósito do centenário de Charlot e do 125º aniversário de Charlie Chaplin, assistimos, em vésperas de Natal, a algo inédito no nosso país, a reposição de dois filmes de Charlie Chaplin, “A Quimera do Ouro” e “O Garoto de Charlot”, através da Midas Filmes, no Cinema Ideal, em Lisboa. Um feliz acontecimento este, mas que deveria acontecer em todo o país.
Foi nos estúdios da First National que Chaplin realizou “O Garoto de Charlot” (1921), o seu filme mais pessoal, fortemente inspirado na sua infância miserável, nas ruas de Londres.
Em “O Garoto de Charlot”, Charlot toma conta de uma criança abandonada, mas a sua relação fica em risco, quando a mãe tenta recuperar a criança.
No inicio de 1919, Mildred Harris (mulher de Chaplin), dá a luz um rapaz que acaba por morrer três dias depois. Chaplin ficou traumatizado. Dez dias depois do enterro do seu filho, Chaplin já fazia audições para crianças no seu estúdio. O seu bloqueio criativo tinha desaparecido e escrevia já uma história para o seu novo filme. Chaplin encontra um rapaz, de quatro anos, muito talentoso, Jackie Coogan. Este foi o seu co-protagonista. e conseguia imitar exactamente os mesmos gestos de Chaplin. Jackie era o actor ideal. O facto de Chaplin ter perdido um filho levou a que este criasse uma forte relação de amizade e quase paternal com o garoto. O que é extraordinário no filme é que Chaplin demonstra essa sensibilidade na relação entre os dois, de forma natural e emotiva. Através desta criança ele constrói a história da sua própria vida e transforma o cinema numa crítica e sátira social, mas sempre sem deixar de nos fazer rir.
Neste filme, pela primeira vez, Chaplin humaniza a personagem Charlot, ao atribuir-lhe um instinto paternal e humano que leva o espectador a emocionar-se. A cena em que vemos o garoto a ser levado por dois homens para o orfanato do Estado e em que Charlot luta desesperadamente por impedir que os homens o levem é a cena mais trágica do filme e uma das mais belas de toda a sua filmografia. Esta cena foi inspirada na vida de Chaplin, que com apenas sete anos foi levado da sua mãe para uma instituição de crianças pobres. Daí esta cena ser a mais dramática do filme e de todos os outros filmes de Chaplin, pois ele via-se na personagem de Jackie Coogan.
“O Garoto de Charlot” é a sua primeira grande obra prima, a sua estreia na longa-metragem, o seu filme mais emotivo. É também um dos primeiros filmes onde se mistura a comédia e o drama, como, aliás, é dito na abertura do filme: “Um filme com um sorriso, e talvez uma lágrima…”. Este é de longe, de toda a sua obra, o seu filme mais sentimental.
Passados 91 anos após a sua estreia, este continua a ser um dos mais bonitos filmes sobre a infância, uma comédia dramática de referência no cinema.
Faz sentido (re)vermos Chaplin nesta altura do ano, uma época virada para os sentimentos, alegria, nostalgia e infância. Em todo o caso, faz sentido ver Chaplin em qualquer altura do ano, pelo que uma reposição deste género deveria acontecer todos os anos em Portugal. Devemos regressar sempre a Chaplin.
Realização: Charles Chaplin
Argumento: Charles Chaplin
Elenco: Charles Chaplin, Carl Miller, Edna Purviance, Jackie Coogan
EUA/1921 – Comédia/Drama
Sinopse: Charlot toma conta de uma criança abandonada, mas a sua relação fica em risco, quando a mãe tenta recuperar a criança.