“My Fair Lady” (1964), George Cukor
A primeira vez que o nome Maria da Graça Silva Lobo se destacou aos meus olhos, estávamos em 2012 e eu pesquisava sobre o Movimento dos Cineclubes Portugueses. Entre os mais sonantes, encontrei o Cineclube de Faro do qual Graça Lobo fazia parte (desde 1980, e, como membro da direção, de 1995 a 2011). Faro era naquele momento o epicentro de um projeto cujo impacto se alastrava à escala nacional, e o nome de Graça Lobo destacava-se novamente. Quanto mais pesquisava mais os braços de Graça Lobo se estendiam, como afluentes de um rio que corria determinado, abundante, florindo as margens ao seu redor.
A pouco e pouco, a minha admiração pela Graça foi aumentando e a nossa amizade foi-se sedimentando. Fiquei a conhecer melhor o seu saber eclético, o seu sentido de humor, o seu otimismo e a sua imensa generosidade. Partilhávamos descobertas de obras literárias, trocávamos impressões sobre filmes, concertos, espetáculos de teatro. A Graça era também uma grande admiradora da 7ª arte, guardando numa invejável memória, títulos de filmes, realizadores(as), atores e atrizes, compositores(as) e intérpretes de bandas sonoras. Estando eu na direção do cineclube [de Faro], íamos muitas vezes assistir às sessões em conjunto e ficávamos a debater o filme. Depois, a Graça entrou para a direção do cineclube e fez o excelente trabalho que é do conhecimento público.
Olga Fonseca, aposentada do Ensino Superior (ESEC-UAlg)
Os seus 22 anos de experiência como professora de Português (embora seja licenciada em História) no Ensino Básico e Secundário algarvio (1975-1997) e o amor que tinha à arte, em geral, e ao cinema, em particular, faziam-na crer na “cultura identitária como única sobrevivência possível para a civilização humana tal como a conhecemos” (Lobo, 1999).
O seu espaço estará sempre ligado à escola e ao cinema, as suas paixões. É uma pessoa com um discurso fácil, interessante, com uma atitude vibrante e ativa que é aliás o que ela sempre foi na vida. E por isso ela chega aos cineclubes. Primeiro ao Cineclube de Faro, a sua cidade, e depois com reflexos em tudo o que é atividade cineclubista, percorrendo o país e fazendo intervenções diversas.
António Costa Valente, Cine Clube de Avanca
“O Vento Levar-nos-á” (1999), Abbas Kiarostami
Congregou as suas duas grandes áreas de atuação – a escola e o cinema – e deu continuidade ao legado de Lauro António, levando a Literacia Fílmica para o ensino com o Programa Juventude-Cinema-Escola (JCE). O projeto JCE contou ainda com a parceria da Direção Geral de Educação do Algarve, do Instituto Português da Juventude e do Desporto, do Ministério da Cultura, e do Cineclube de Faro, para além das direções escolares e todos os professores envolvidos.
O JCE proporcionou-me formação específica em história e estética do cinema, através de ações de formação contínua dinamizadas por uma tríade cinéfila, apaixonada e apaixonante: Graça Lobo, Anabela Moutinho e Isa Mateus. Com elas, a minha literacia fílmica cresceu e a minha cinefilia agigantou-se. Desde então, e devido à intervenção da Graça, passei a estar ligado à divulgação da sétima arte e à formação de públicos para o cinema, quer através do JCE (alunos) e do PNC (professores). Foi também por isso que me associei às atividades do Cineclube de Tavira (fundado em 2000) e comecei a participar nos encontros da Federação Nacional de Cineclubes, entre outros. Por tudo o que aprendi com ela, tenho-lhe uma grande dívida de gratidão.
José Couto, professor
O projeto JCE foi pensado e desenhado enquanto Graça prosseguia os seus estudos no Mestrado Europeu em Gestão Cultural, cuja dissertação veio a entregar em 1999, intitulada “Formação de Público para o Cinema“. Tinha como co-orientador Vítor Reia-Baptista, outro nome influente e determinante no campo da Literacia Fílmica em Portugal. Da “reflexão à ação” (Lobo, 1999) o programa passou para a prática e “iniciava-se, no ano lectivo de 1997/1998, uma experiência piloto que contou com a participação de 30 escolas da região” (Moreira, 2017). Doze anos depois chegava a “60 das 67 escolas públicas existentes naquela região, perfazendo um total de 25 mil alunos e 1250 professores participantes do projecto” (Moreira, 2017). Vinte e quatro anos volvidos, hoje, continua em funcionamento.
Trabalhar com a Graça ao longo de dez anos (2000- 2010) – constituiu-se numa aprendizagem de conteúdos, mas também de uma didática do Cinema ao nível do Ensino Básico. Numa área simultaneamente tão vasta e específica como o Cinema, a maior parte dos professores não tem uma formação especializada, mas a Graça transmitia um tal entusiasmo que conseguiu, de facto, alargar esta obra inicial a um projeto nacional. Se o objetivo a que se propunha era criar novos públicos para o Cinema, sem dúvida que, tanto colegas como alunos não foram indiferentes à sedução da Graça, que tão bem soube inculcar a magia do cinema no nosso imaginário e nos nossos corações.
Margarida Afonso, professora e cineclubista
Tive o privilégio de ouvir Graça Lobo apresentar a comunicação “Ver/Aprender/Amar Cinema” – o lema do projeto JCE – em 2015, no II Simpósio Internacional ‘Fusões no Cinema’, que decorreu nas instalações da Universidade Aberta – Delegação de Coimbra (onde também esteve presente Lauro António como convidado), e fui testemunha do espírito vanguardista, enérgico e bem disposto de Graça Lobo. Para que se estabeleça uma educação cinéfila verdadeiramente pública, defendia veemente as idas à sala de cinema, espaço privilegiado da experiência cinematográfica, de forma totalmente gratuita para os alunos. O relatório “Educação para os Media em Portugal: experiências, atores e contextos” (Pinto et al., 2011), publicado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e desenvolvido pelo Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, referenciava o Programa JCE como um dos 10 Projetos em destaque na área da Educação para os Media em Portugal.
A Graça não se limitava a falar, a sua linguagem corporal, e em particular a gestual, enfatizava as palavras e despertava a imaginação e o sonho. Da escola partimos para projetos que envolviam a criação de novos públicos. Numa feliz articulação entre o Sindicato de Professores da Zona Sul – SPZS/FENPROF e a Comissão de Formação do Cineclube de Faro nascem ciclos de cinema, como “Ação-Reação “, seminários temáticos que associam a História ao Cinema, visitas de estudo, ações de formação, participações em atividades, como a parceria entre alunos de teatro e dança da ES Tomás Cabreira (Faro) e a Direção Regional de Cultura do Algarve sobre os 17500 Dias de Democracia. Não guardo o ano em que conheci a Graça, mas guardo a sua voz rouca e forte, a sua eloquência, inteligência e criatividade, os seus chapéus, xailes e encharpes… Guardo a sua paixão contagiante pelas várias expressões culturais mas em particular pelo cinema. Cristina Barcoso, professora
“West Side Story” (2021), Steven Spielberg
Voltando a 2012, ano em que a União Europeia levava a cabo um levantamento massivo da oferta em Literacia Fílmica na zona euro – liderado pelo British Film Institute (BFI) – tendo como especialistas os portugueses Vítor Reia-Baptista (consultor oficial do projeto em Portugal) e Miriam Tavares (Centro de Investigação em Artes e Comunicação – CIAC), que recomendaram o JCE como “totalmente replicável e sustentável em âmbito nacional” (Reia-Baptista et al., 2014). E assim se concretizou.
Tive o prazer de ser professora de alguns alunos que passaram pelas suas mãos, enquanto formadora, e que também se beneficiaram do projeto que ela desenvolveu no Algarve (e que depois foi amplificado), e senti a importância que foi esse trabalho para a vida e para a cultura desses alunos, excelentes alunos. Eu tive sempre uma experiência de proximidade e respeito profundo por uma mulher fantástica e uma profissional, sem sombra de dúvidas, muito marcante para a cultura do Algarve.
Miriam Tavares, CIAC
Graça Lobo para mim sempre foi (e continuará a ser) sinónimo de alegria, irreverência, sabedoria e elegância! O seu sorriso rasgado, o seu olhar brilhante que nos contagiava, nos mais pequenos pormenores e momentos, desde a montagem de uma sala improvisada de cinema – que belas sessões nos claustros do convento de Nossa Senhora da Assunção – a uma conversa sobre cinema ou sobre a vida… Deixa-nos um legado exigente e imenso na área cultural e na educação artística, gostar da Graça é continuar a espalhar esse seu amor pelo cinema e pela Vida!
Dália Paulo, Câmara Municipal de Loulé
“O Crepúsculo dos Deuses” (1951), Billy Wilder
Em 2013 era oficializado o Plano Nacional de Cinema em Portugal, durante o “2.º Congresso de Literacia, Media e Cidadania“, em sessão plenária, com a presença de Mark Reid, do BFI, por Graça Lobo, a 1.ª coordenadora do Plano Nacional de Cinema, e moderada pelo professor Vítor Reia-Baptista, da Universidade do Algarve (Pacheco, 2017).
A Graça é uma percursora do Cinema e Educação em Portugal. Foi inclusive para Paris, na década de 80, durante o seu mestrado, estagiar na Cinemateca Francesa [estagiou também na Cinemateca Portuguesa]. Ela é uma pessoa de mobilização, carismática, intensa e muito querida!
Raquel Pacheco, CIAC
Graça Lobo nunca parou, nunca se contentou. Podia sempre fazer mais. Foi coautora do Programa da Disciplina de Opção de Cinema do 3º ciclo do Ensino Básico; professora supervisora na formação de Professores da Escola Superior de Educação do Algarve de 1993 a 1996; Professora convidada pela Universidade do Algarve para lecionar disciplinas de Cinema entre 1994 e 2001; e formadora acreditada pelo Conselho de Formação Contínua de Professores, tendo realizado dezenas de ações de formação em Literacia Fílmica, desde 1999 em todo o país.
Tive a sorte de me cruzar com a Graça Lobo em dois caminhos. Primeiro, pela via do Cineclubismo, quando dedicava uma enorme energia ao trabalho associativo e à partilha cinéfila; mais tarde com a AO NORTE, empenhada em ações de formação para professores e alunos no âmbito da Literacia Fílmica, sempre disponível para colaborar nos Encontros de Cinema de Viana e no MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço. Fica também a memória da amizade e dos momentos partilhados, o exemplo de generosidade e o trabalho exemplar que marcou o ensino do Cinema.
Carlos Eduardo Viana, AO Norte
“O Fim da Aventura” (1999), Neil Jordan
A última vez que nos cruzamos foi em 2022, no Festival de Cinema de Avanca (onde a sua presença já era habitual, nomeadamente no programa das Conferências) durante uma visita à casa Museu Egas Moniz. Graça era a intérprete do grupo e ladeava a guia, brindando-nos com a sua sabedoria e espírito de desenrascanço sempre que as traduções se tornavam peculiarmente específicas. No final abordei-a, disse-lhe que estava a investigar sobre o Plano Nacional de Cinema, prontamente me passou os seus contactos, disponível para conversar comigo. Não fui a tempo. Felizmente o seu legado rodeia-nos, floresce e dá frutos em todos os que com ela se cruzaram, e por todos os espaços onde os seus projetos e palavras continuam a ecoar.
“Gostei muito dos filmes, cada vez é mais bonito e gosto muito do cinema, bem como do passeio” (aluno do 5.º ano de Lagos); “Eu gostava que houvesse cinema até nas férias” (aluna de 6.º ano de Alcoutim); “O que mais gosto é de ir ao cinema com os meus colegas e das apresentações dos filmes fico sempre a perceber mais” (aluna do 7.º ano de Quarteira); “Adoro ir ao cnema no Programa JCE vejo filmes que nunca pensei ver!” (aluno do 10 º ano de Albufeira); “O Programa JCE tem me ensinado a VER um filme, sem ser por causa da história” (aluno do 12 º ano de Silves); “Fui aluno do Programa JCE e agora sou professor. Considero este Programa uma mais valia para o ensino” (professor Escola Secundária de Tavira)
Uma das suas últimas intervenções foi no Encontro IberoAmericano de Cineclubes onde falou da sua experiência entre escola e cinema. Na América Latina ficou conhecida como a ‘maestra do cinema e educação‘ e na Argentina o programa JCE será mesmo replicado. Iria participar, mais recentemente, em novembro de 2022, como convidada, na Assembleia Geral da Federação Internacional de Cineclubes, em Barcelona, apoiando o desenvolvimento de ações de formação de audiências bem como projectos de criação de novos públicos.
“A mulher que viveu duas vezes” (1959), Alfred Hitchcock
Assinalamos hoje um mês da sua partida, reunindo a informação possível, disponível, contada bem de perto. Graça Lobo vive hoje, uma segunda vez, pelas histórias e lembranças de tantos, entre eles, Isa Catarina Mateus – que nos concedeu algumas das suas memórias – parceira de Graça em mais de 20 anos de aventuras, que com ela pensou e implementou a grande maioria destes projetos que marcaram as comunidades cinéfilas. De todo o lado chegaram notas de pesar, mostrando como é frágil a condição humana, mas perene quando se trata de boa história. Como esta. In memoriam
Quero acreditar que (…) crianças de hoje tornadas jovens sentirão a mesma emoção que eu tenho há muito, sentada no escuro, com a tela – e a sua magia que inunda mais de 100 anos da história dos homens – a iluminar-me a razão, mas também o sonho.
Graça Lobo