Stefan Hertmans, poeta, ensaísta e romancista belga, concedeu uma entrevista ao Observador, há uns dias, onde proferiu: “O autor já não é um deus, mas parte do problema. O narrador deve fazer parte do problema. Filosoficamente falando, é uma coisa interessante de se fazer. O mesmo no cinema. Gosto de filmes onde o realizador mostra que não está num lugar estável”.
Numa obra de arte, o choque deve sentir-se, o contágio deve ser fluído, mas o espectador não deve teorizar a essência da obra-prima. Para ele, numa história deve existir uma meta-história: um romance de probabilidades, que continue a seduzir e torne o público curioso e o emocione. É o tempo de uma vida, o tempo existencial, que catapulta um bom livro, um filme cativante; um tempo que não é universal, mas muito particular, o mais íntimo possível.
“Como escritor sou bastante obcecado por coisas que desaparecem. Tento escrever sobre elas de forma não nostálgica, porque um escritor nostálgico é um mau escritor. Não devemos ser nostálgicos, mas abertos para pensar o que desaparece”. O verdadeiro escritor é, portanto, aquele que escreve para si mesmo: não para uma audiência, não para um público, mas para uma espécie de egoísmo íntimo, no interior, na génese mais profunda do maestro cinematográfico e literário.
Num filme, por vezes o espectador, o humilde aprendiz, “sofre” várias epifanias existenciais: recebe e apreende, de forma altruísta, os ensinamentos do mestre da antecâmara, alguém que sonha com beleza, mas que, quase sempre, está partido por dentro. Toda a obra de arte elucida sobre a angústia e solidão dos seres humanos, clamando por esperança.
“Se há coisa que odeio é previsibilidade. Talvez tenha a ver com o meu carácter. Gosto de ser surpreendido por outrem e também, e sobretudo, por mim mesmo”. Por vezes, de facto, a simplicidade pode ser a maior das imprevisibilidades, num mundo tão complexo e atroz. Hoje, há culpa pelo esquecimento, há culpa pela vida – e a natureza continua a existir; a natureza simplesmente continua, não se importa. Desta forma, “ao tentar escrever sobre beleza volto a sentir culpa, porque produzir beleza torna-nos culpados, pois há sempre uma razão para não produzir beleza”.
Quer seja um livro, quer seja um filme, não está ao alcance de todos imortalizar a emoção: apenas aos que se permitirem sonhar, a agarrar a arte e a beleza da vida.