É com enorme agrado e surpresa que “Hush” (2016) veio preencher o vazio recorrente dos já habituais e medíocres blockbusters de terror: os chamados thrillers psicológicos, que às vezes não passam de películas de mero show off, refugiando-se nos — mais que óbvios — jump scares.
Pois bem, em “Hush” a conversa é totalmente diferente, pois, para além de conseguir manter a dúvida no espectador durante todo o filme (repito, durante todo o filme), consegue surpreender tudo e todos mexendo com o caos e com o óbvio e dando-lhes um novo sentido. Se há um adjectivo perfeito para este filme, além de agradavelmente sui generis, é ser, com profunda admiração do espectador, genialmente «heterodoxo». Antes de partirmos para o habitual e, no entanto, essencial) escrutínio dos protagonistas materiais do filme, é importante falar de Mike Flanagan, co-argumentista e realizador, foi nesta obra um autêntico génio da ante-câmara, dentro e fora de campo — digamos. De realçar o seu trabalho “homónimo” do ano seguinte, o sólido “Jogo Perigoso” (2017), na medida em que mantém a mesma actriz e um enredo, que apesar das variações obedece a uma linha, na sua índole (e, claro, na minha opinião) bastante interessante.
Um filme protagonizado pela deslumbrante Kate Siegel, que interpreta Maddie, surda-muda desde os 12 anos, é uma escritora que vive sozinha e praticamente isolada do mundo exterior. Conta com uma amiga que vive perto e que a ajuda com as vicissitudes do dia-a-dia. De realçar a sua importância, igualmente relevante, como co-argumentista do guião, revelando uma indiscutível vertente (artística) eclética.
A dado momento, Maddie é “visitada” por um criminoso desconhecido, disfarçado ao nível da face, que está simplesmente à procura de “diversão” sangrenta. A maneira como durante esta deslumbrante hora e vinte temos a luta (o dito struggle interior) tão rica, tão realista, tão intensa, tão cativante, para conseguir lidar com aquela incerteza, é de facto épica na forma como consegue catalisar o espectador de forma digna e, em alguns momentos, catártica. A partir daí, temos Maddie a tentar escapar de um fim mais que anunciado: a um “futuro” cada vez mais efémero e, por extensão (literalmente) sem saída.
O filme consegue ser uma gradação (dramática e intelectual) precisa daquilo que se exige a uma grande obra: tornar-se precisamente digna desse nome quando passamos a exigir dela um salto de intelectualidade, rumo ao tal magnum opus, que instintivamente vamos edificando até ao fim. Um final bem conseguido, sagaz e que fecha a cortina de forma prolífica, tornando-se — precisamente nesse momento — o arquétipo mórbido de um flagelo (narrativo) cinematográfico.