Com obras inesquecíveis que se solidificaram como clássicos, ganhando o coração do público e a dileção da crítica, Tim Burton conseguiu criar elementos que podem ser considerados características únicas e intrínsecas a ele mesmo. Um exemplo disso é a presença constante de um semblante triste e melancólico em seus personagens.
Tal atmosfera também se estende aos cenários, figurinos e maquiagens, que são impregnados com uma notável dose de decadência, inércia, apatia, ganância e excentricidade. Como resultado, sua linguagem estética gótica e sombria transforma-se em um componente integral na construção de uma diversidade de géneros cinematográficos.
Essa é, de fato, a assinatura distintiva de Burton – um realizador excepcionalmente versátil e insubstituível. É exatamente por essas razões que ele permanece como um profissional profundamente intrigante e continuará a ocupar um lugar de relevância na história do cinema mundial.
Todavia, algo está tirando o sono do norte-americano. Acontece que Burton, assim como nós, está consciente das recriações em Inteligência Artificial (IA) que se baseiam em sua estética.
O fato não o deixou satisfeito, e sua insatisfação ficou evidente em uma entrevista concedida a Geoffrey Macnab no suplemento “Entrevista de Sábado” do The Independent. Burton recordou-se de ter ficado perturbado ao assistir a um programa de IA que desenhava uma série de personagens amados da Disney no estilo de sua estética caprichosamente macabra.
Em sua conversa com Macnab, Burton explicou que testemunhar a comercialização de seu distintivo processo criativo por meio de computadores não foi apenas uma afronta, mas também desencadeou uma crise existencial quase angustiante.
“Eles fizeram a IA fazer minhas versões dos personagens da Disney”, disse Burton. “Não consigo descrever a sensação que isso lhe dá. Isso me lembrou de quando outras culturas dizem: ‘Não tire minha foto porque isso está tirando sua alma’”, disse Burton.
Para Burton, a IA faz algo que é como sugar parte de você. Isso retira algo da sua essência ou da sua mente, e isso é profundamente perturbador, especialmente quando se trata de algo relacionado a você. É como se um robô estivesse retirando sua humanidade, sua alma.
Deve ser frustrante ver sua obra reproduzida sem nenhum controle ou critério, como se fosse facilmente substituível. Essa sensação deve ser sufocante, e não foi apenas Burton que enfrentou isso, quem lembra do episódio com Wes Anderson?
No início do ano, a influência estilística de Wes Anderson se espalhou pelo TikTok, Instagram e até mesmo pelo YouTube. Os usuários dessas plataformas abraçaram a tendência de imitar o estilo visual e narrativo dos filmes de Anderson para dar um toque único às suas atividades diárias. Essa tendência ganhou tanta popularidade que resultou na criação de vídeos virais nos quais as pessoas se esforçam para capturar o estilo do realizador em suas próprias criações.
https://youtu.be/QuJy6qLYYnE
E não parou por aí, os fãs foram ainda mais longe, aplicando a inteligência artificial para recriar clássicos do cinema em seu próprio estilo estético. Canais no YouTube, como Curious Refuge e Lucas x Hayley, mergulharam nas plataformas de IA, como Midjourney e ChatGPT, para reimaginar cenas icónicas. Essas ferramentas utilizaram como base performances reais e informações disponíveis em bancos de dados, resultando em resultados notavelmente impressionantes e realistas.
Na época, durante uma entrevista com Kevin Maher do The Times, Wes Anderson revelou que evitava assistir a esses vídeos que tentavam imitar seu estilo cinematográfico. Ele expressou sua relutância em se envolver com essas reproduções, pois não desejava que elas influenciassem sua própria maneira de criar.
“Eu sou muito bom em me proteger desse tipo de coisa. Se alguém me envia algo assim, eu apago imediatamente e respondo: ‘Desculpe, mas por favor, não me envie vídeos de pessoas tentando imitar meus filmes’”, declarou Anderson.
Anderson afirmou que a imitação excessiva de seu trabalho por outras pessoas pode levá-lo a imitar a si mesmo, o que ele deseja evitar. Essa postura do realizador evidencia sua preocupação em manter sua originalidade e evitar ser influenciado pelas interpretações dos outros sobre seu trabalho.
Por outro lado, durante sua participação na edição deste ano do Festival de Toronto, Guillermo del Toro afirmou que não está preocupado com o uso da tecnologia. Quando questionado sobre o assunto, ele declarou:
“Quando as pessoas me perguntam se estou apreensivo em relação à inteligência artificial, minha resposta é simples: minha preocupação se volta para a estupidez natural humana. Afinal, a IA é apenas uma ferramenta, não é?” (via THR)
De maneira polêmica, ele continuou afirmando: “Se alguém quiser utilizar a IA para criar filmes, que o faça sem hesitar. Não me preocupo com aqueles que buscam resultados rápidos e de baixa qualidade. Afinal, por que não simplesmente comprar uma impressora, imprimir a Mona Lisa e afirmar que a pintou?”
Nós, da equipe do Cinema Sétima Arte, estamos atentos ao próximo realizador que poderá expressar insatisfação com as criações em IA.