25 de Abril

“Jongens” – Só fica a solidão, só fica a pena?

Cada pessoa lida com relacionamentos de maneira diferente, mas amar alguém inseguro pode ser extremamente frustrante
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"Jongens" (2014), de Mischa Kamp

Independentemente de ser bissexual, gay, lésbica ou trans, o processo de se assumir e de se entender pode ser realmente desafiante. Muitas preocupações surgem durante o ‘coming out’ – termo elegante para o mais directo ‘sair do armário’ – e, para os bissexuais, essas questões podem ser ainda mais complexas e muitas vezes não são bem abordadas nos debates LGBTQIA+.

Sem querer generalizar, é comum que muitas pessoas – e incluo-me nesse grupo – sintam um grande alívio após se assumirem. Viver escondendo quem realmente somos pode ser extremamente estressante e isolador. Enfrentar esse medo inicial pode abrir portas para uma vida mais feliz e autêntica a longo prazo. Contudo, não te sintas pressionado; cada pessoa tem o seu próprio ritmo e sabe qual é o momento certo para dar esse passo.

Ainda que de forma subtil, este é o tema central do drama holandês “Jongens” (2014), realizado e escrito por Mischa Kamp. O filme segue Sieger, um jovem atleta que lida com a insegurança em relação à sua bissexualidade. Ao longo dos seus 1h16min de duração, a sensação de insegurança de Sieger intensifica-se, afetando tanto a sua relação romântica com o colega de equipa, Marc, como a sua jornada pessoal.

Marc, que vive a sua sexualidade de forma mais aberta, oferece um contraste à situação de Sieger, tornando-se uma referência crucial. A tensão entre o desejo de se conectar profundamente com Marc e o medo de ser julgado atravessa toda a narrativa. Ao mesmo tempo, a sólida amizade entre ambos, apesar dos sentimentos reprimidos, expõe a complexidade da busca pela autoaceitação, um tema particularmente relevante para quem está em processo de autodescoberta.

Dito isto, rever “Jongens” trouxe-me à memória algumas experiências pessoais. Há quase dois anos, vivi uma relação semelhante, onde eu era o “Marc” da história. Compreendo perfeitamente o que ele sentia. Cada pessoa gere os relacionamentos de forma diferente, mas amar alguém inseguro pode ser extremamente frustrante. A necessidade constante de tranquilizar o outro e de se esconder (literalmente) torna-se desgastante. Chega a um ponto em que pensamos em desistir e seguir em frente, mas o coração não permite. Acabamos presos num ciclo interminável, quase como numa tragédia de Shakespeare, quando o que desejaríamos era viver numa comédia leve e cliché, como as de Richard Curtis. Muitas vezes, tentar ajudar pode, na verdade, piorar a situação.

Nesse sentido, não posso simplesmente apontar o dedo para o Sieger ou para o meu ex e acusá-los de serem monstros. Também já me comportei de maneira semelhante na minha primeira experiência com alguém do mesmo sexo. Como referi no início desta crónica, todos temos o nosso próprio tempo. Sei que, ao amar, tornamo-nos inseguros. O amor deixa-nos vulneráveis, fazendo emergir as nossas maiores inseguranças e os nossos piores medos. Isso torna-se ainda mais intenso quando somos pessoas queer.

Uma coisa que o Sieger teve de perceber é que não podemos esperar que o nosso parceiro nos proporcione uma confiança e auto-estima eternas. Infelizmente, não é assim que funciona, e ele aprendeu isso da maneira mais difícil. As nossas inseguranças não desaparecem magicamente, mesmo quando sabemos que somos amados. Isto não quer dizer que o parceiro não deva contribuir para o nosso bem-estar. Todos precisamos de alguém que nos apoie quando precisamos ou que nos relembre das nossas qualidades quando nos esquecemos delas.

A questão fundamental é que, embora os nossos parceiros possam ajudar-nos a identificar as inseguranças que precisamos enfrentar, somos nós que temos de fazer o trabalho de as curar e superar. Este percurso pode ser demorado, mas é essencial. Essa foi uma das lições que Sieger aprendeu ao longo do filme.

Ah, e é importante recordar, como já mencionei antes: se alguém não consegue amar-se a si mesmo, é difícil que consiga oferecer um amor verdadeiro aos outros. Não cabe a Marc ensinar Sieger a valorizar-se e a amar-se. É verdade que pode haver uma construção mútua, mas, se o amor-próprio não estiver presente, todo o esforço pode ser em vão.

É como cultivar um jardim. Alguém pode mostrar-lhe como preparar o solo, plantar as sementes e regar regularmente. Mas, no final das contas, é você quem precisa cuidar das plantas, removendo as ervas daninhas e garantindo que elas recebam a quantidade certa de luz e água. Sem esse cuidado constante e pessoal, as plantas não crescerão da maneira que espera.

No clímax do filme, Sieger finalmente compreende outra verdade inevitável: ao escolher amar-nos a nós mesmos, tornamo-nos capazes de oferecer mais amor aos outros. Quando estamos completos internamente, conseguimos focar nas necessidades do parceiro de uma forma mais genuína.

Além disso, ele percebe que enfrentar os nossos medos e amar profundamente, apesar deles, permite-nos alcançar um novo nível de autoconfiança e uma maior habilidade de conexão com os outros. No final das contas, esse processo faz com que todo o esforço tenha um valor imenso.

E, mais uma vez, rendo-me aos clichés: ele compreendeu que o amor nos faz sentir vulneráveis porque nos obriga a sair da zona de conforto, mas isso é algo positivo.

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