Kenneth Branagh ascendeu na cena hollywoodiana em 1989 com sua adaptação de “Henrique V”, de William Shakespeare, muitos o viram como o sucessor natural de Laurence Olivier, que também fez sucesso com adaptações de Shakespeare. Em sua estreia como diretor em “Henrique V”, Kenneth recebeu indicações ao Óscar de Melhor Ator e Melhor Realizador. O longa foi aclamado pela crítica mundial e até hoje é amplamente considerado uma das melhores adaptações cinematográficas de Shakespeare já feitas.
Branagh superou Olivier no número de adaptações para o cinema de obras clássicas de Shakespeare. Em números, o grande Barão Laurence Olivier, que é considerado por muitos como o maior ator de todos os tempos, tanto no cinema quanto no teatro, dirigiu cinco longas-metragens ao longo de sua carreira, três deles adaptações das obras de Shakespeare, todos eles em sua maioria majestosos, bem encenados e com argumentos coesos e bem adaptados – Em quase 70 anos de carreira, Olivier ganhou quatro Oscars, três Globos de Ouro, três BAFTAs, três prêmios NBR e cinco Emmys. Um fato curioso, é que Kenneth interpretou Laurence Olivier no filme “A Minha Semana com Marilyn”, o papel lhe rendeu uma indicação ao Óscar de Melhor Ator Secundário.
Nos últimos 30 anos, Branagh dirigiu seis longas-metragens inspirados em Shakespeare. Nessa perspectiva, suas versões de “Henrique V”, “Muito Barulho por Nada” e “Hamlet” estão entre as melhores adaptações cinematográficas do Bardo de todos os tempos. Acredito que a chave para o sucesso de Branagh não é tentar reinventar ou reimaginar as peças, é apenas escolher um cenário e, em seguida, interpretar o texto com um gosto incomparável. Sua versão de Hamlet, por exemplo, dura quatro horas inteiras, colocando cada palavra do magnífico texto de Shakespeare na tela – sem parecer algo chato ou irrelevante.
Em suas belíssimas adaptações shakespearianas, Branagh destrói totalmente a ilusão de que Shakespeare é inacessível. Mesmo hoje, quando muito da língua anglo-saxônica mudou do inglês Tudor e as peças são mais de impacto do que pentâmetro. Nas obras de Branagh, Shakespeare pode ser apreciado por qualquer pessoa, o realizador e argumentista sabe trabalhar com excelência a roupagem e a linguagem na narrativa visual e textual de seus filmes.
Ele é atraído por histórias, temas e motivos distintos. Ken resiste em definir Shakespeare contemporaneamente e possui um desejo apaixonado de levar a linguagem de Shakespeare às massas. No quesito técnico, ele ostenta um estilo de realização e estética de produção exclusivos. Mas apesar de tudo, quase sempre ajuda a iluminar Shakespeare. Com Kenneth, passamos a ver Shakespeare de forma democrática, distinta, direta e bela.
Nesse sentido, dar sentido à sua filmografia certamente apresenta belos desafios. Pois, para além de Shakespeare, toda vez que ele lança um novo filme, você nunca sabe o que esperar, especialmente porque ele mudou seu modo de filmagem, tipo: “um para você, um para mim”. Dito isto, seus filmes “um para você” podem facilmente ser “um para mim” em um espaço seguro de propriedade intelectual para os estúdios, é nessa brecha que ele realiza suas adaptações shakespearianas. Nessa perspectiva, o shakespeariano encarna a frase: “vá em frente ou vá para casa” – mais do que muitos cineastas em escala de produção, desempenho e tom.
Branagh já foi nomeado em 7 categorias diferentes no Óscar, o que inclui: Melhor Ator (“Henrique V”), Melhor Realização (“Henrique V” e “Belfast”), Melhor Ator Secundário (“A Minha Semana com Marilyn”), Melhor Curta-Metragem Live-action (“Swan Song”), Melhor Argumento Adaptado (“Hamlet”) e Melhor Argumento Original (“Belfast”). Com o número, ele supera George Clooney, Alfonso Cuarón e Walt Disney que já receberam seis cada. Este ano, ele concorrerá nas categorias Melhor Filme, Melhor Realização e Melhor Argumento Original.
À vista disso, o Cinema Sétima Arte resolveu relembrar algumas adaptações shakespearianas dele.
Confira a lista:
Henrique V (1986):
O longa deu o pontapé inicial para Branagh e o levou ao estrelato. Assistir a Henrique V, ainda hoje, faz você entender por que ele foi visto como uma das melhores adaptações cinematográficas de Shakespeare já feitas.
Sua interpretação e direção explode em cada cena, Branagh concebeu um filme grande e seguro, além de se colocar no centro dele, o irlandês mobilizou toda uma nova geração a amar o Bardo e reviveu o interesse de Hollywood em adaptar mais peças do mítico William Shakespeare.
Analisando tecnicamente, o filme se inspira fortemente na adaptação cinematográfica de Laurence Olivier e em “Falstaff – O Toque da Meia Noite”, de Orson Welles. Entretanto, diretamente essas influências mostram tudo o que faz Branagh ser quem ele é.
Sim, da teatralidade destemida do monólogo do discurso de abertura de Derek Jacobi à bela e crescente trilha sonora de Patrick Doyle, Henrique V arrebata, apaixona e cativa de forma eterna e inesquecível. Na 62.ª edição do Óscar, o filme foi indicado em 3 categorias: Melhor Realizador (Kenneth Branagh), Melhor Ator (Kenneth Branagh) e Melhor Guarda-roupa (Phyllis Dalton), vencendo na categoria de Melhor Guarda-roupa.
Hamlet (1996):
Ninguém jamais será capaz de fazer um filme como este. Uma monstruosidade de quatro horas filmada em 65mm da peça mais célebre de William Shakespeare, sem uma única palavra cortada pelo tempo.
É certo que a execução de cada momento nem sempre está lá, e algumas das famosas participações não funcionam. No entanto, a pura ambição do Hamlet de Kenneth Branagh só pode ser celebrada e admirada. A decisão de filmar a peça inteira permite tempo para mergulhar em muitos elementos da obra raramente explorados, tanto no palco quanto em filmes.
Em particular, as maquinações políticas da história são trazidas à tona e colorem cada ação, particularmente pelo rei Claudius de Derek Jacobi, de uma maneira totalmente nova. Jacobi e Julie Christie como Gertrude entregam duas das melhores performances shakespearianas já filmadas, e Branagh como o próprio príncipe da Dinamarca também não é ruim. O longa é uma experiência suntuosa e avassaladora que certamente nunca será igualada em um filme novamente.
Mesmo considerado uma das melhores adaptações de filmes de Shakespeare. O Hamlet de Kenneth Branagh não foi um sucesso de bilheteria, faturando pouco menos de US$5 milhões em um orçamento de US$18 milhões. O longa recebeu quatro nomeações na 69.ª edição do Óscar, para Melhor Direção de Arte (Tim Harvey), Melhor Guarda-roupa (Alexandra Byrne), Melhor Banda Sonora Original (Patrick Doyle) e Melhor Argumento Adaptado (Kenneth Branagh).
Muito Barulho por Nada (1993):
Henrique V e Hamlet podem ocupar a maior parte da largura de banda, pois contam histórias sérias sobre homens sérios, a melhor saída de Kenneth Branagh como diretor é uma das obras mais efervescentes de Shakespeare, Muito Barulho por Nada.
A versão como comédia romântica acerta em todas as piadas e momentos românticos arrebatadores que se propõe a fazer. Nesse sentido, é preciso fazer ponderações, Branagh sempre sobrecarrega um pouco suas produções, em especial os filmes mais dramáticos, mas nesta comédia, os sentimentos um pouco exagerados complementam a produção perfeitamente.
Branagh e Emma Thompson como Benedick e Beatrice estão lá em cima com algumas das maiores duplas malucas da história do cinema, cuspindo golpes verbais um no outro com uma paixão ardente. Nesse expoente, Branagh reúne um elenco absurdamente talentoso com: Denzel Washington, Michael Keaton, Kate Beckinsale, Robert Sean Leonard, Imelda Staunton e Keanu Reeves.
A fotografia exuberante da Toscana é uma festa para os olhos. Cada visualização de Muito Barulho por Nada aparentemente torna o filme mais bonito. Contudo, não é sua adaptação mais ambiciosa, esta é aquela produção em que todos os elementos funcionam totalmente em sincronia um com o outro. Porém, como diria o chef francês Érick Jacquin falta “TOMPERO”.
Amores Desencontrados (2000):
O longa é um dos mais frágeis e esquecíveis de Branagh. Neste quase desconhecido musical, Ken junta 10 números de música e dança. Em si, mais parece uma sitcom falida e sem audiência da Nickelodeon, do que uma adaptação do grande Shakespeare.
Sim, depois de triunfar filmando uma grande versão de Hamlet, usando toda a peça original sem cortes (a primeira vez que foi feita), Branagh aqui transforma um texto aceitável de Shakespeare em um sacrilégio cinematográfico.
Ok, não serei malévolo com ele. Tá, o longa até que é cativante, encantador, doce e leve, mas não se iluda com esses adjetivos, o filme é uma confusão, é tão escapista que escapa até de si mesmo. Em resumo, o enredo foca em quatro pares de amantes, a partir desta permissa, Branagh fornece-lhes canções, figurinos médios, e cenários simples (chato, né?).
Fica nítido que o elenco não é tão exímio em ser capaz de cantar e dançar ao mesmo tempo (apenas o britânico Adrian Lester e o veterano da Broadway Nathan Lane são profissionais nesses departamentos), mas isso até que dá um certo “charme”.
Na perspectiva técnica, este é um daqueles filmes em que pessoas reais ficam tão dominadas pela necessidade de cantar que a falta de talento não pode impedi-las, parece até um daqueles filmes feitos para TV da Disney, cheios de imperfeições e sem a mínima necessidade de existir.
Quem me conhece sabe que eu sou fanático por trilhas-sonoras e musicais. Todavia, não ousaria ouvir as músicas deste longa novamente. Por fim, as canções, danças e diálogos deixam Shakespeare ocioso e penante.
Como vos Agradar (2006):
É uma adaptação que representa um projeto ideal da HBO, o que acaba oferecendo aos atores uma oportunidade de se envolver em um trabalho elegante que provavelmente teria um apelo pífio se forçado a atender às demandas implacáveis das bilheterias ou classificações das grandes redes de cinema nos finais de semana.
Está é a quinta obra da saga shakespeariana de Branagh, nesse projeto também esquecível, ele teve o apoio da magnânima HBO, onde o extravagante e romântico Como vos Agradar parece mais adequado do que, digamos, resistir ao desafio de um lançamento em um cinema convencional, onde tristemente receberia baixa bilheteria e críticas mistas.
Nesse sentido, o filme é preenchido com algumas das falas mais memoráveis do bardo, mas também é um de seus enredos mais complicados, nesta adaptação Branagh toma liberdades notáveis – começando por situar a ação no Japão do século XIX – nem todas funcionam.
Ainda assim, é uma produção lindamente montada que certamente irá te agradar. Contudo, não se engane, muito pouco da comédia soa verdadeiro, especialmente quando visto com um olho moderno. Devo admitir, realmente é muito difícil adaptar Shakespeare.