25 de Abril

O outro lado de «Lerd»: a história de «A (Wo)Man of Integrity» (LEFFEST 2017)

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“Neste país, ou és o opressor, ou és o oprimido.” Estas são as palavras que ecoam ao longo de todo o filme. Mohammad Rasoulof apresenta-nos uma imagem de um Irão dominado pela corrupção, pela injustiça, pela imoralidade, onde a luta pela integridade, pela justiça, pela verdade é uma (ir)realidade, uma utopia distante.

O silêncio e o conformismo prevalecem. As palavras proferidas são diálogos resultantes de um guião de um teatro de marionetas, controlado por empresas privadas, corporações e organismos estatais. Os cidadãos, as populações, as famílias são meros elementos (quase) decorativos, sem (possibilidade de) vontade própria, sem (direito a) uma voz.

“Lerd – A Man of Integrity” parte da história de um núcleo familiar – Reza, Hadis e o seu filho – que vê o seu terreno (uma das suas fontes de rendimento) e a sua água a serem contaminados por uma empresa que pretende adquirir as suas propriedades. Aqui começa esta história, através da qual obtemos uma visão que a ultrapassa: uma caracterização de uma nação.

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Reza é O Homem com Integridade, procurando a todo o custo salvar a sua terra e obter uma compensação monetária, adequada e justa, pela contaminação causada pela empresa. uma personagem que, embora agindo contra o sistema, embora tentando com que a justiça prevaleça, apresenta uma apatia que o domina ao longo de tudo aquilo que acontece durante este filme: um olhar vazio, um olhar sem esperança de alguém que sabe qual será o fatídico fim, mas que, mesmo assim, arrisca (não petiscando). O Homem com Integridade é um homem solitário, que se isola do mundo com o qual não se identifica.

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Hadis é a mulher dO Homem com Integridade. A extraordinária vivacidade desta personagem é um excelente contraponto em relação à personalidade e atitude do seu marido. Directora de uma escola só para raparigas, Hadis é uma Mulher de Armas, que age pela protecção da sua família, não olhando, por vezes, para as consequências de quem não segue o guião do teatro da corrupção.

Os momentos de diálogo entre Reza e Hadis, tal como as interacções entre outras personagens, são submetidos à auto-censura já de si dominante e automatizada dos elementos da sociedade. Os verdadeiros momentos de diálogo, neste filme, são apresentados naquele que poderá ser considerado o porto seguro: o carro. Os vidros isolam, criam um espaço impenetrável pela sociedade, pelo movimento, por todo o mundo exterior ao carro. Dentro dele, as personagens retiram as máscaras, desligam-se do guião e procuram arranjar formas de desafiar, de contornar, de agir contra um regime opressor. Ora no interior, ora no exterior; ora de lado, ora de frente; ora audível, ora inaudível, a mestria de Rasoulof revela-se na ilustração, através de um ângulo, através de um plano, do tipo de conversa, do nível de desconforto, do nível de (in)segurança das personagens e do seu discurso. É nos carros que grande parte da acção decorre: as personagens percorrem caminhos infinitos, num labirinto recto: para a frente, para trás; para a frente, para trás.

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Após esses caminhos, são maioritariamente confrontados com muros de enorme dimensão, com portões (igualmente enormes), com dispositivos de segurança que separam os indivíduos comuns das ditas empresas, dos ditos organismos estatais. Em contraponto, temos um Homem com Integridade, cuja propriedade não apresenta qualquer tipo de mecanismos de defesa: não tinha nada para esconder, não tinha nada para perder.

Ainda que estejamos perante uma obra de extrema relevância social, de um predominante brilhantismo visual e conceptual, não é possível, no entanto, escapar a algumas dos problemas que ressaltam e que fazem com que este filme perca, em parte, a sua força.
A mulher dO Homem com Integridade, esta personagem de tremenda força e interesse (em termos de ideologia, personalidade, de complexidade de pensamento) é, por vezes, retratada de acordo com o olhar (talvez ligeiramente) contaminado pelo dito male gaze: uma consequência (in)evitável de uma sociedade patriarcal, onde a personagem principal será sempre (?) um homem. Ao longo de toda a narrativa, a personagem principal feminina, ainda que claramente A personagem principal, é colocada de lado, em 2º plano: perante uma ameaça de algo exterior, coloca-se através de uma pedra, em modo defensivo; em discussão com Reza, é colocada abaixo dele, num plano onde as escadas não só demonstram uma separação das personagens (em termos de convicções, em termos de modos de agir), como colocam Reza acima de Hadis.

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Reza, perante a adversidade contra a qual luta, à sua maneira, isola-se numa caverna (onde não nos podemos sentir mais surpreendidos, enquanto espectadores, com a discrepância em termos de beleza e coerência visual, que se perde por completo nestas cenas) onde o silêncio reina, onde se encontra somente consigo próprio, enquanto se permite à absoluta separação da realidade. Hadis, no entanto, perante a adversidade, procura ir cada vez mais longe, procura encontrar outros caminhos, mais soluções.

A história de “Lerd – A Man Of Integrity” é a história de “A Woman of Strength (As Well As Integrity), That Stands By Her Husband’s Side”. Mas a cada passo dado por Rasoulof podemos observar um cuidado permanente na denúncia – perigosa – das características repugnantes e injustas do regime: a preocupação pelo female/non-male gaze virá, certamente, noutro patamar, noutro passo (talvez por ele, ou talvez por outros/as).

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