Legislativas 2024: O que propõem os partidos para o Cinema e o Audiovisual?

"O Estado das Coisas" (1982), de Wim Wenders "O Estado das Coisas" (1982), de Wim Wenders
"O Estado das Coisas" (1982), de Wim Wenders

O país vai a eleições no próximo dia 10 de março, para eleger os membros da Assembleia da República para a 16.ª legislatura de Portugal, no ano em que se comemoram os 50 anos da Revolução do 25 de Abril.

A Cultura e os seus profissionais continuam a ser dos setores mais precários do país e o orçamento para a Cultura continua a ser menos de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Se excluirmos a RTP, o investimento do Orçamento do Estado é de 0,19% do PIB, valor muito abaixo do recomendado pela UNESCO.

As políticas culturais devem, entre muitas coisas, estimular o desenvolvimento das comunidades, devem ser políticas de democratização e desenvolvimento cultural, de acesso livre e universal à população.

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É com base no popular chavão, “a cultura é parente pobre” da política, que o Cinema Sétima Arte entende que o eleitorado deve estar informado sobre o que cada partido propõe nos seus programas eleitorais, antes de ir votar. Quisemos saber o que cada partido apresenta no seu programa eleitoral para as legislativas 2024 relacionado com o setor do cinema e audiovisual, dois setores que têm sido recorrentemente esquecidos pelos vários governos.

O que propõem afinal os partidos para o setor cultural do Cinema e Audiovisual?

A primeira conclusão é que de um modo geral as propostas são parcas entre os vários programas eleitorais dos partidos aqui analisados (partidos com representação na Assembleia da República): Partido Socialista (PS), Aliança Democrática (AD – coligação entre PSD, CDS-PP e PPM), CHEGA (CH), Iniciativa Liberal (IL), CDU (Coligação Democrática Unitária, formada pelo PCP e Verdes), Bloco de Esquerda (BE), Pessoas–Animais–Natureza (PAN) e Livre.

Todos os partidos concordam que o orçamento para a cultura deve ser aumentado. Outra conclusão é que são os partidos de esquerda que apresentam mais propostas para a cultura, e em específico para o cinema e para o audiovisual. IL e CH apresentam zero propostas para o Cinema, assim como o PAN, embora este partido inclua uma proposta de incentivo ao público e outra ao ensino e formação do cinema.

Sobre o investimento do Orçamento do Estado para a Cultura, CDU, BE, PAN e LIVRE estabelecem como meta 1% do Produto Interno Bruto nacional. Já o PS, que tinha prometido atingir os 2%, diz no seu programa de 2024 que continuará “a reforçar a dotação do setor, reafirmando o objetivo de lhe afetar 1% do Orçamento de Estado, de forma gradual”. Os restantes partidos nada dizem sobre esta matéria de investimento na Cultura, para além de que deve ser aumentado.

Relativamente ao serviço público da RTP (Rádio e Televisão de Portugal), os partidos CDU, BE e LIVRE defendem nos seus programas a valorização, reforço e aumento do financiamento do serviço público.

Em concreto, o que cada partido propõe (por ordem de maior representação na Assembleia da República):

PS

Das quatro propostas relativas ao Cinema e Audiovisual, o programa do Partido Socialista sugere um reforço dos apoios para as artes cinematográficas, sem acrescentar nenhuma medida nova.

Propostas:

  • Acentuar a presença das artes em todos os ciclos do ensino público, reforçando os recursos à disposição dos Planos Nacionais das Artes, de Leitura, de Cinema e de Literacia Mediática;
  • Aprofundar o compromisso da RTP (rádio e televisão) com a difusão cultural e revisitar o seu papel no apoio à produção nacional, ponderando a afetação de uma percentagem da CAV para o cinema e audiovisual e uma quota da emissão diária para o setor da cultura;
  • Criar mecanismos eficazes, no âmbito do Instituto do Cinema e do Audiovisual, para distribuir e mostrar internamente o cinema produzido em Portugal, incluindo incentivos aos operadores privados, expandindo a exibição cinematográfica em territórios deficitários;
  • Proceder à revisão do Contrato de Concessão do Serviço Público de Rádio e Televisão, criando mecanismos de reforço do caráter distintivo da programação, avaliação do modelo de governação e do modelo de financiamento, bem como ponderando o investimento necessário à salvaguarda do seu património arquivístico audiovisual;

ALIANÇA DEMOCRÁTICA

A coligação de direita Aliança Democrática (AD), composta pelos partidos PSD, CDS-PP e PPM, propõe para a cultura “que se aumente em 50% o valor atribuído no Orçamento de Estado, ao longo dos próximos 4 anos”. A AD considera que o “setor cultural em Portugal defronta-se com problemas de um subfinanciamento enraizado, de uma visão centralista e de baixas taxas de participação cultural”. A palavra “cinema” surge mencionada duas vezes, em propostas bastante vagas para o setor do cinema.

Propostas:

  • Alargar a oferta do ensino da dança, teatro, música, cinema e artes plásticas aos primeiros anos do ensino, de forma a aumentar a acessibilidade os públicos da cultura, em particular os mais jovens;
  • Desenvolver e implementar um Plano Estratégico do Cinema e do Audiovisual;

CHEGA

Depois de em 2022 ter apresentado um programa de apenas 9 páginas, o partido da extrema-direita apresenta-se a estas eleições com um programa de 176 páginas. No entanto, para a Cultura, apesar das 22 propostas, um tanto vagas, e de propor o aumento do orçamento para a Cultura, não há nenhuma proposta para a área do Cinema e Audiovisual. A palavra cinema surge zero vezes.

Contudo, o partido propõe que se transfira “para o sector das telecomunicações a taxa sobre o Audiovisual, retirando-a da factura de electricidade e atribuindo o seu pagamento às empresas de telecomunicações a operar em Portugal.”

O CH pretende que esta taxa deixe de constar na fatura da luz e passe a constar na fatura das telecomunicações. Visto que nem toda a gente tem um contrato de televisão, internet ou telefone, enquanto que de luz a maioria tem, na prática isto significaria uma diminuição do financiamento da RTP.  

Ou seja, para além de não terem nenhuma proposta para o cinema e audiovisual nacional, propõem que se reduza o orçamento destinado ao serviço público de radiodifusão e televisão (RTP). Sabendo que a RTP é responsável pelo financiamento de muitas produções de cinema nacionais e internacionais, sendo por isso uma parte fundamental na promoção do cinema, esta medida, caso fosse aprovada, iria prejudicar também o financiamento do cinema português.

INICIATIVA LIBERAL 

Zero vezes a palavra “cinema”, nenhuma proposta para a área do Cinema e Audiovisual. Para a IL, a cultura deve ter uma maior “participação do sector privado para garantir mais oferta”, segundo consta no seu programa.

Propõe também a revisão do regime do mecenato cultural: “é necessário criar Estatuto do Mecenato Cultural separado do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que vise registar os benefícios atribuídos aos mecenas e que se articularia com a generalização do modelo dos contratos-programa como forma privilegiada de exercer o papel de mecenas por parte do Estado Central e das Autarquias.”. A IL defende ainda que se privatize a RTP.

CDU

A coligação de esquerda formada pelo Partido Comunista Português e pelo Partido Ecologista “Os Verdes” considera que cabe ao Estado uma responsabilidade central – a instituição do Serviço Público de Cultura, com a dotação do respectivo Ministério com 1% do Orçamento do Estado, medida inserida no objectivo de alcançar progressivamente 1% do PIB, a valorização do trabalho na Cultura e uma política que promova a livre criação e fruição cultural.”. Para a CDU é fundamental garantir o direito de todos à Cultura e olha para a Cultura como um serviço público, como um “universo cuja riqueza não pode ser confinada a regras do mercado capitalista”. A CDU defende que se reforce o financiamento do ICA e que se salvaguarde o “carácter integralmente público da Cinemateca”.

Propostas:

  • Valorizar o cinema português, salvaguardando o carácter integralmente público da Cinemateca, reforçando os meios financeiros e humanos do Instituto do Cinema e do Audiovisual e promovendo o apoio à criação e distribuição cinematográfica nacional e não comercial.
  • Promover a livre criação artística, aumentando os apoios públicos às Artes, seja através da DGArtes ou do ICA, adequando os calendários à realidade das diversas formas de expressão artística e cumprindo-os.

BLOCO DE ESQUERDA

O Bloco de Esquerda “mantém o compromisso e exigência de 1% do PIB para a Cultura. Esta meta não impõe um valor absoluto de investimento, mas a escolha sobre a distribuição da riqueza do país.”. Diz ainda no seu programa que faltaram (referindo-se ao Governo PS) políticas públicas de democratização ao acesso à cultura, do património à criação artística, e agravou-se a mercantilização e concentração da produção, edição e distribuição (controlo do mercado livreiro pelas grandes editoras, salas de cinema sob monopólio da NOS, ausência de salas públicas com dimensão e características técnicas para concertos).”. O BE sugere que se crie uma “entidade pública de distribuição” para facilitar e garantir o acesso ao cinema português.

Propostas:

  • No cinema e audiovisual, a par com o reforço do financiamento, combate ao monopólio na distribuição, criando uma entidade pública de distribuição que permita estruturar o acesso de cineteatros públicos e cineclubes à produção cinematográfica nacional e internacional;
  • Assunção da RTP como parceiro privilegiado da cultura, com reforço dos meios e obrigações da rádio e televisão públicas na produção e difusão culturais. Articulação entre o Arquivo da RTP e a Cinemateca/ANIM para o acesso dos criadores aos arquivos e para a criação de um arquivo de som e imagem da produção artística;
  • Criação de novas obrigações para operadoras e distribuidoras cujo modelo de negócio assenta nos conteúdos culturais, incluindo quotas para a produção musical e audiovisual portuguesa independente, fim da taxa da cópia privada, promoção da organização coletiva dos direitos dos autores, artistas e intérpretes, sem prejuízo da decisão individual sobre a disponibilização das suas obras;

PAN

O PAN, o último partido apresentar o seu programa eleitoral, não tem nenhuma proposta para o setor do Cinema e do Audiovisual, nem menciona a RTP uma única vez. No entanto, apresenta duas propostas que podem beneficiar diretamente o público: “criar uma dedução à colecta para as despesas de âmbito cultural, que permita deduzir à coleta do IRS despesas com a aquisição de livros, bilhetes de museus, monumentos e centros de ciência e bilhetes de espetáculos como cinema, teatro, ópera e dança; Garantir maior autonomia financeira às escolas de artes cénicas e à produção cinematográfica nacional”.

LIVRE

Das 34 propostas que constam no seu programa para a Cultura, o LIVRE defende também 1% do PIB para o orçamento. Aumentar e diversificar o financiamento da cultura, que deve atingir 1% do Produto Interno Bruto nacional, direcionado para o Ministério da Cultura e para a articulação entre cultura e outras áreas de políticas públicas, enquanto é também concretizada a Lei do Mecenato.”. O LIVRE defende que se taxe os lucros das plataformas de streaming e VOD.

Propostas:

  • Apostar no cinema e audiovisual, através do fomento de exibição e difusão de obras nacionais de produção independente em horários acessíveis, da ampliação do espectro de fontes de financiamento, da aplicação criteriosa do Contrato de Serviço Público vigente e o reforço da programação de conteúdos culturalmente relevantes na RTP. Reforçar os meios e recursos do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) para dar resposta ao volume de solicitações. Concretizar um relatório trienal que torne público um quadro comparativo das entidades financiadas – e não-financiadas – pelo ICA e rever os programas de apoio ao audiovisual do ICA, sobretudo no que a artistas emergentes e de primeiras obras diz respeito. Criar, nas salas de cinema do país, uma quota anual de cinema português que aumente progressivamente até ao fim da legislatura.
  • Taxar os lucros das plataformas de streaming e de Video On Demand, implementando de forma ambiciosa a transposição da diretiva europeia do audiovisual, de forma a diversificar as fontes de financiamento para a produção cultural e audiovisual em Portugal e complementar o financiamento público do Instituto do Cinema e do Audiovisual e da Direção Geral das Artes.

NOTAS

A taxa do Audiovisual é uma taxa de pagamento obrigatório cobrada pelo Estado, que surge na fatura da luz e custa 2,85 euros mais IVA, por mês, e destina-se a financiar o serviço público de rádio e de televisão (RTP). Chama-se CAV, Contribuição para o Audiovisual.

Relativamente ao financiamento do cinema em Portugal, a lei do Cinema e Audiovisual diz o seguinte:

  • “A publicidade comercial exibida nas salas de cinema, a comunicação comercial audiovisual difundida ou transmitida pelos operadores de televisão ou, por qualquer meio, transmitida pelos operadores de distribuição, a comunicação comercial audiovisual incluída nos serviços audiovisuais a pedido, bem como a publicidade incluída nos guias eletrónicos de programação, qualquer que seja a plataforma de exibição, difusão ou transmissão, está sujeita a uma taxa, denominada taxa de exibição, que constitui encargo do anunciante, de 4 % sobre o preço pago.”
  • “Os operadores de serviços de televisão por subscrição encontram-se sujeitos ao pagamento de uma taxa anual de três euros e cinquenta cêntimos por cada subscrição de acesso a serviços de televisão, a qual constitui um encargo dos operadores.”
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