Num tempo em que França inscreve a lei da IVG na constituição e em Portugal se tenta revertê-la com um novo referendo, estreou na semana passada “Levante”, filme brasileiro realizado por Lillah Halla, que mostra a necessidade do acesso a um aborto legal, seguro e gratuito que ainda não é uma realidade no Brasil.
Levante é um filme sobre solidariedade, companheirismo e condição de classe. Subtilmente, a proximidade com o real, filmando ruínas e casas de tijolo cru, as interações e as atitudes das personagens que se assemelham ao de pessoas reais, tornam “Levante” um filme político. Mas não apenas isso: ele é a representação de uma verdadeira existência que embalam o espectador numa caminhada de empatia; é a simplicidade nas ações e a semelhança com o erro e a teimosia. Na verdade, é um reflexo honesto do Brasil, onde ser negra, queer e pobre parece tornar tudo mais difícil, mas é na alegria e na irmandade que se encontra a esperança. E este grupo é o reflexo dessa mesma perspetiva que surge na comunidade queer que Lillah nos traz. A camaradagem, a criação da família social, mas também a questão da não-binariedade e a fluidez de género através da apresentação das personagens.
Além de todas estas características, que tornam evidentes “Levante” ter uma matriz politizada, a intromissão da Igreja e a sobreposição da crença religiosa no comando da sociedade e na sua organização, reforçam a proximidade da realidade da sociedade brasileira, enquanto apresentam alguma superficialidade pela forma como são apresentadas. No entanto, é a resistência vinda de um outro lado onde não há escolha livre que evocam, para além da dificuldade de abortar, o espectador a tomar uma posição.
Não é somente a questão da solidariedade queer, nem a vontade de Sofia em abortar e os obstáculos surgentes que fazem de Levante um filme assumidamente político, mas sim a interseccionalidade de tudo isto. Lillah Hallah afirmou numa entrevista para a RFI Brasil que acredita num «feminismo transfeminista» em resposta ao que vários jornalistas insistiram em denominar o filme como um mero produto feminista. Isto é algo que se pode constatar olhando para o filme como um todo, a representação da sua crença é o seu olhar para a condição de classe, e para o bebé indesejado de Sofia que traçam e a empurram para permanecer para um lugar onde o sistema a atira constantemente, a da preferia, a da favela. É essa reflexão, da junção de todas as componentes abordadas no filme, que tornam “Levante” um filme político, belo, coerente e honesto com o que apresenta.



