Locarno 2024: “O Dilúvio”, de Gianluca Jodice, na Piazza Grande

O filme inaugural do Festival de Locarno, “O Dilúvio” (“Le Déluge”), tem uma história bem francesa, mas é realizado pelo cineasta napolitano Gianluca Jodice.
"O Dilúvio" (2024), de Gianluca Jodice "O Dilúvio" (2024), de Gianluca Jodice
"O Dilúvio" (2024), de Gianluca Jodice

Depois de uma manhã com chuva forte, como costuma acontecer este ano com frequência na Europa, certificando a existência de uma mudança climática, não houve nenhum temporal e nem dilúvio na quarta-feira, na Piazza Grande, em Locarno, na Suíça, para a abertura do Festival Internacional de Cinema e estreia da co-produção franco italiana “O Dilúvio” no telão de 140m2 ao ar livre e céu aberto, diante de oito mil espectadores.

Por que o cineasta Gianluca Jodice deu o título de “O Dilúvio” para o seu filme histórico contando os últimos anos da queda da monarquia francesa e destituição do rei Louis XVI e de sua esposa austríaca, a rainha Maria Antonieta? Não seria, por certo, por fidelidade à chuva que teria caído na manhã da execução na guilhotina do ex-rei, depois de despejado do Castelo de Versalhes e ter ficado algum tempo, com a família na Torre do Templo em meio a humilhações.

Em suas entrevistas, o realizador Gianluca Jodice usa também a palavra apocalipse, para definir as transições políticas pelas quais passava a França provocadas pela revolução popular de 1789. Mas usar dilúvio ou apocalipse não é exagero. As consequências da Revolução Francesa se fizeram sentir em toda Europa e mesmo nas Américas, assinalando também a ruptura entre Estado e Igreja, a laicidade vigente na maioria dos países ocidentais e o primeiro reconhecimento oficial dos direitos humanos, entre outras tantas coisas.

Porém, explica o realizador, o emprego do termo dilúvio é metafórico e está também ligado a uma frase de outro rei, Luís XV: “É claro que a palavra dilúvio é metafórica, mesmo porque realmente choveu no dia da decapitação do rei na guilhotina, não fui que inventei… mas, na verdade deriva da frase de Luís XV, avô de Luís XVI , que disse a Pompadour: ‘après moi, le déluge’ (‘depois de mim, o dilúvio’)”.

E o filme? Procura mostrar a desmoralização da família real obrigada a dormir no chão e ficar mesmo sem talheres para comer. E o ex-rei reduzido à condição de homem comum, se mostra fraco, sem reações, se apoiando apenas na crença católica. Pouco resta da figura real de Maria Antonieta, considerada frívola e infiel, tão citada por ter mandado o povo comer bolo na falta de pão.

E o cineasta acentua: “é um filme de quedas: de poder, de aparências, de máscaras públicas, que levam ao apocalipse pessoal. O que resta quando alguém se despoja do seu papel social, político, burguês ou não-burguês, dependendo do período? Diz-se na Antropologia que se o homem cresceu intelectualmente, emocionalmente ele é idêntico a 3.000 anos atrás”.

Rui Martins, de Locarno, convidado pelo Festival.

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