Maryam Tafakory inaugura a sua primeira exposição em Portugal, “Which pain does film cure?”, na Solar – Galeria de Arte Cinemática, a 12 de julho. A exposição apresentará um corpo de trabalho diversificado, uma seleção de obras já conhecidas e outras desenvolvidas expressamente para a exposição, toda ela imaginada pela artista em dispositivos site specific. No conjunto, incitam a aprofundar reflexões sobre as contradições da sociedade iraniana, e sobretudo o lugar da mulher e do desejo.
Maryam Tafakory, realizadora, ativista, mulher, iraniana, é um dos nomes mais promissores do cinema contemporâneo. Trabalhando sobretudo a partir de found footage, e aproximando-se, algumas vezes, da ideia do ensaio audiovisual, a cineasta tem procurado investigar as imagens e aquilo que elas escondem.
É, talvez, relevante citar o seu modus operandi, que criticamente coloca a ênfase nas produções de sentido e na criação tanto de imaginários nacionais como das invenções da tradição: Nos últimos anos, apresentei cada um dos meus filmes com um breve pedido: que o público preste atenção ao que não pode ver, para refletir sobre a razão pela qual a visibilidade pode ser sobrevalorizada. Estou a tentar distinguir entre os atos de ver e de testemunhar, ao mesmo tempo que encorajo os espectadores a ler as imagens com uma paranoia crítica, assumindo que falta sempre alguma coisa (Frieze, 250, 2025).
“Irani Bag”, de 2020, uma das obras em exposição, chamado pela autora como ensaio fílmico, é um exemplo claro de um filme que procura dar conta de uma particular questão que atravessa o cinema iraniano pós-revolução: como o toque entre mãos ou outras partes do corpo é proibido mostrar, o cinema encontra outras formas de dramatizar a relação entre as personagens. Daí a importância das malas e sacos que promovem a ligação física, seja ele de afeto ou de violência. Tafakory é, assim, uma cineasta que procura revelar o oculto, exibindo as formas como o desejo humano ultrapassa todas as interdições.
Os filmes seguintes não só prolongam, como vão mais longe que “Irani Bag”. “Nazarbazi” (2021), outra das obras em exposição, tal como “Mast-del” (2023) e “Razeh-del” (2024) procuram, cada um da sua forma, reinventar a linguagem do filme feito a partir do imaginário de um cinema nacional. Utilizando sobreposições, imagens em negativo, texto sobre o ecrã, repetições de sequências, estas colagens permitem aprofundar as contradições da sociedade iraniana, e sobretudo o lugar da mulher e do desejo.
Utilizando, muitas vezes, pormenores autobiográfico, Maryam Tafakory expõe a delicadeza e a fragilidade do desejo, em particular quando ele é banido das imagens oficiais. Fazendo, assim, um contra-cinema, a cineasta impõe um gesto poético de radical contestação política. Um cinema revolucionário a partir de um quotidiano comum.
De 12 a 20 de julho, o 33.º Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema apresenta um programa completo dedicado à realizadora, incluindo um conjunto de sessões que combinam uma retrospetiva parcial da sua obra cinematográfica com uma Carta Branca, permeando e expandindo em sala os diálogos e influências que as suas escolhas estabelecem. O programa completa-se com uma visita guiada, incidente sobre a exposição, e uma leitura performativa e uma conversa aberta ao público.