«Pára-me de Repente o Pensamento» – Tanto surpreende como desilude

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Jorge Pelicano regressa ao papel de realizador, no cinema, com a sua terceira longa-metragem “Pára-me de Repente o Pensamento” que sucede “Para, Escute, Olhe” (2009) e “Ainda Há Pastores” (2006). Tendo Pelicano sido realizador de televisão durante muitos anos, os seus dois primeiros filmes pecam bastante com isso. No entanto, este novo trabalho leva a crer que Pelicano quer abandonar de vez os vícios do formato televisivo, para se dedicar a tempo inteiro ao cinema. Há uma evolução significativa do seu segundo filme para este. Uma transformação do realizador que merece ser reconhecida e apreciada. “Pára-me de Repente o Pensamento” é sem dúvida o melhor dos três filmes do realizador. Contudo, o filme tanto surpreende como desilude.

Pelicano filma o quotidiano de um hospital psiquiátrico, o Centro Hospitalar Conde de Ferreira, no Porto, através das pessoas que lá vivem, com problemas muito delicados e difíceis de retratar, e através do ator Miguel Borges, que decide passar três semanas com os atuais pacientes do hospital, para reencontrar a personagem para a sua peça de teatro. Durante esse tempo, partilha com eles as conversas, as refeições, as terapias, o café e os cigarros.

O realizador arriscou muito com o tema deste filme, que não é nada fácil de abordar, quer por questões éticas da privacidade e a dignidade daquelas pessoas, quer por poder cair facilmente no cliché do tradicional paciente de um hospital psiquiátrico. O resultado final acaba por ser uma desilusão, pois tinha tudo para ser um excelente filme. Tinha personagens muito ricas, com histórias interessantes e sente-se que o realizador passou muitas semanas com aquelas pessoas, naquele lugar. Sente-se que houve uma entrega ao lugar e ás pessoas. A segunda parte do filme foca-se no ator Miguel Borges, que é um excelente ator, mas que acaba por desestabilizar por completo a narrativa. Foca-se no processo de construção de uma personagem que o ator procura, desviando-se daqueles indivíduos que deveriam ser o foco de atenção. “Pára-me de Repente o Pensamento” vive numa luta entre dois filmes, o dos pacientes e o do ator. Compreende-se facilmente a intenção de Pelicano em inserir naquele meio um elemento novo e estranho para aqueles indivíduos, para que os provocasse, para que através dessa provocação eles pudessem ‘falar’, contar as suas histórias de vida e de sofrimento. Mas acaba por ser uma abordagem completamente desnecessária e chega até mesmo a irritar a presença do ator que, sendo ele um ser ‘normal’, ou seja, que não é doente, serve sempre como um elemento de comparação entre aqueles que são doentes mentais e os que não são. O realizador e o ator conseguem, ingenuamente, perder o respeito para com aqueles pacientes. Ou seja, o melhor do filme é a primeira parte.

Apesar de Pelicano ter evoluído muito como realizador, tendo agora um maior cuidado com a direcção de fotografia, os movimentos de câmara e o som, dá a sensação de que não há critérios para a criação dos planos. Não há. Haveria necessidade de usar tantos planos, de não lhes dar o tempo necessário e de enquadrar de todos os ângulos e formas possíveis? Já para não falar de que a montagem tem erros básicos. As melhores imagens são sem dúvida as cenas de exterior, dos jardins do hospital. Muito bem filmadas.

Se considerarmos que os dois primeiros filmes de Pelicano são duas interessantes reportagens, aceitamos melhor as muitas imperfeições e erros de principiante do realizador em “Pára-me de Repente o Pensamento”, que é agora o seu ‘primeiro’ documentário. O documentarista perdeu aqui uma óptima oportunidade para fazer um bom trabalho. É de louvar a sua significativa evolução, mas ainda tem muito que caminhar.

1767e3436560e69d44fcf3de07a24ee58ff45b26 3Realização: Jorge Pelicano

Argumento: Jorge Pelicano

Elenco: Miguel Borges

Portugal/2014 – Documentário

Sinopse: Cafezinho, cigarrinho. Moedinha, outro cafezinho. Utentes vagueiam pelos corredores. Circulam sós. Esperam. Mais uma passa, um cigarro que morre em beata. Terapias que apelam aos sentidos. Rotinas que os puxam para a realidade. É a vida que se repete nos espaços de um hospital psiquiátrico. A lucidez e a loucura vivem juntas. Do mundo exterior chega um ator que procura o seu personagem para uma peça de teatro, submergindo no mundo interior dos esquizofrénicos. Os utentes são parte do processo de construção do personagem. No meio da névoa o ator depara-se com um poema de Ângelo de Lima, alienado de condição. O personagem de teatro nasce. O cinema documenta.

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