“Miller’s Girl” promete e não cumpre, entusiasma e aborrece logo de seguida. Um “what if…” da Wednesday trazida para um mundo mais real, menos “burtiano”. Uma pena o desperdício de Martin Freeman e de Jenna Ortega. Curioso pela história não explorada da Winnie. Salva-se uma boa banda sonora, uma fotografia bem pensada e adaptada aos ambientes e espírito inerente das cenas.
Numa pequena escola secundária rural, o professor de escrita criativa Jonathan Miller (Martin Freeman) vive um quotidiano monótono. O casamento com Beatrice (Dagmara Domińczyk) está numa fase estranha, que o filme também não revela porque as cenas do casal misturam-se entre uma sensualidade lânguida, álcool e o dia a dia. Apesar de ser um autor publicado, Miller não escreve um único texto há anos e questiona o que está a fazer com a sua vida. Receoso da perspetiva de ter de enfrentar outra turma de estudantes enfadonhos, fica agradavelmente surpreendido com a chegada de Cairo Sweet (Jenna Ortega), de 18 anos, que tem um apetite pela leitura e um talento para a escrita. Miller descobriu alguém que pode realmente apreciar o seu ensino, uma aprendiz, alguém que ele pode ajudar a moldar e assim atingir um reconhecimento na sua vida.
Algures em “Miller’s Girl”, há uma história digna das complexidades emocionais de uma relação aluno/professor e, de facto, há aqui momentos em que a realizadora Jade Bartlett capta inteligentemente a profundidade de tal ligação. Mas, infelizmente, não conseguiu vender as suas personagens ao relegar o resto para um simples conto de vingança.
Nunca é justo julgar um filme por aquilo que se quer que ele faça, mas “Miller’s Girl” poderia ter sido bem sucedido indo até ao fim, mas em vez disso quer tentar sem se libertar. Embora esse possa ser o ponto, quando Miller dá a Cairo um trabalho intercalar, desafiando-a a escrever na voz do seu autor favorito, que ela escolhe Henry Miller (coincidência demasiado oferecida, óbvia e mal aproveitada). Isto leva a que a sua escrita desperte o professor e Bartlett torna pouco claro o que acontece entre os dois quando um extravio de telemóveis leva a um encontro casual. É essa ambiguidade que frustra, não permitindo que as personagens ultrapassem os limites, nem que as emoções realistas se tornem um fator.
O resultado final é que “Miller’s Girl” não tem a profundidade, nem a coragem, para inspecionar verdadeiramente os tabus em que se quer concentrar. Há uma conversa sobre consequências até o final ser abrupto. Além disso, Freeman e Ortega são estranhamente parecidos, o que faz com que qualquer tensão sexual seja estritamente inventada. Não há uma química de Lolita, fica a anos-luz de uma June ou de uma Anaïs Nin.
Alguns poderão ver “Miller’s Girl” como uma história #MeToo sobre relações com dinâmicas de poder desiguais, mas este filme assemelha-se mais a um thriller erótico dos anos 80 ou 90, com uma inclinação literária. O filme atinge vigorosamente esse tom selvagem, tão mau em alguns momentos que parece mais um filme paródia do que homenagem a esse género.