No último sábado, dia 16, foi anunciado o falecimento do realizador britânico Horace Ové, notório por ser o primeiro realizador de ascendência africana a realizar um longa-metragem no Reino Unido. A notícia foi compartilhada por seu filho, Zak Ové, em sua página no Facebook, e, posteriormente, reportada pela revista norte-americana Variety. Horace Ové tinha 86 anos de idade.
Em sua rede social, Zak escreveu:
“Nosso amado pai, Horace, deu seu último suspiro às 4h30 desta manhã, enquanto dormia pacificamente. Espero que seu espírito esteja livre agora, após muitos anos sofrendo com o mal de Alzheimer. Você fará falta para sempre e será amado eternamente. Descanse em paz, papai, e obrigado por tudo”.
Vida pregressa
Nascido em Trinidad em 1936, Horace Ové mudou-se para Londres em 1960 com o objetivo de estudar design de interiores. Durante uma estadia em Roma, onde trabalhou como figurante de cinema, incluindo em “Cleopatra” (1963), realizado por Joseph Mankiewicz, ele teve a oportunidade de conhecer de perto o trabalho de grandes realizadores como Federico Fellini e Vittorio De Sica, que se tornaram influências significativas em sua carreira.
Em 1965, Ové retornou à Grã-Bretanha e, enquanto estudava na London Film School, começou a documentar eventos sociais e políticos no país. Ao longo das décadas de 1960 e 1970, ele se destacou como um importante cronista do movimento Black Power e da contracultura em Londres.
Seu portfólio inclui retratos notáveis de figuras como Michael X, Stokely Carmichael, Darcus Howe, John Lennon, Yoko Ono e o Movimento de Artistas Caribenhos, bem como o emergente Carnaval de Notting Hill.
Principais trabalhos
Em seus primeiros trabalhos, Horace Ové realizou o curta-metragem “The Art of the Needle” (1966), seguido pelo documentário curta-metragem “Baldwin’s N*****” (1968). Este último registra a visita ao Reino Unido do renomado autor e ativista norte-americano James Baldwin, capturando-o enquanto se dirigia a um grupo de jovens no Centro de Estudantes das Índias Ocidentais, em Londres.
Em 1971, Ové lançou “Reggae”, que se destacou como o primeiro documentário inteiramente sobre música negra e o género reggae no Reino Unido.
E, em 1976, lançou “Pressure”, primeiro longa-metragem britânico protagonizado por negros, que explora as preocupações enfrentadas pela segunda geração emergente de indianos ocidentais na Grã-Bretanha.
Índia
Ové também assumiu a realização de dois documentários consecutivos na Índia para o Channel 4. “Dabbawallahs” (1985), filmado em Mumbai (à época, conhecida como Bombaim), oferece uma visão profunda sobre homens e mulheres que entregam almoços aos trabalhadores de escritório em uma corrida contra o tempo.
Já “Who Shall We Tell” (1985) é o documentário de Ové, nomeado para o Prémio Grierson, que aborda as consequências da tragédia do gás de Bhopal em dezembro de 1984. Este documentário é um relato em primeira pessoa, contado pelos próprios habitantes de Bhopal, que descrevem suas vidas antes e depois do vazamento de gás letal.
A importância de Ové para o movimento negro
Em uma época em que as genuínas narrativas negras eram relegadas à margem na grande mídia, Horace Ové desafiou as barreiras da BBC e do Channel 4, criando filmes que lançavam um olhar vívido sobre uma Grã-Bretanha verdadeiramente multicultural.
Nesse cenário, em sua filmografia, destacam-se obras notáveis como “A Hole in Babylon” (1979), “The Garland” (1981) e “Playing Away” (1985). Ové não apenas contou histórias, ele as trouxe à vida, contribuindo para dar voz a uma comunidade muitas vezes silenciada e proporcionando uma perspectiva única sobre a rica tapeçaria da sociedade britânica.
Esse legado serviu de inspiração para várias gerações de realizadores e artistas negros britânicos, entre eles Menelik Shabazz, John Akomfrah, Isaac Julien, Julien Henriques, Ngozi Onwurah, Steve McQueen, Amma Asante, Raine Allen-Mille e Dionne Edwards. Em reconhecimento aos seus notáveis serviços prestados ao cinema e à mídia britânica, Ové foi honrado com o título de cavaleiro em 2022.
Homenagens
O trabalho de Horace Ové é o foco de uma extensa série de retrospectivas no BFI Southbank, intitulada “Power to the People: Horace Ové’s Radical Vision”.
Uma versão restaurada em 4K do filme “Pressure” terá sua estreia mundial como parte de um esforço conjunto entre o BFI London Film Festival e o New York Film Festival em 11 de outubro. Este evento antecede o lançamento do filme nas telonas em todo o Reino Unido, através da BFI Distribution, e no BFI Player em novembro.