Filmes catástrofe/ destruição mundial há “aos montes”. Normalmente há uma solução heróica para o resolver. Sem querer dar spoiler o pressuposto deste filme desvia-se desse eixo de narrativa. Fazer humor é sobejamente mais difícil que drama, humor negro mais ainda. Este filme de Adam McKay começou a ser produzido ainda antes da pandemia da Covid19 fazendo mais sentido agora e nas pós-eleições nos EUA que acabaram com Trump derrotado. Uma sátira ao capitalismo e à sua barbárie em tempos de desespero. A ideia de que os 1% poderão sempre prevalecer. Em teoria, uma produção perfeita: uma sátira sobre a sociedade que visa tratar de questões importantes, da política norte americana à banalidade das redes sociais, os anti ciência e as questões ambientais, com um elenco de primeira linha, que aguenta em muitos momentos a carga total do filme, começando por Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Cate Blanchett, Jonah Hill e Meryl Streep e muitos mais nomes bem conhecidos.
“Don’t Look Up“, em português “Não Olhem Para Cima” tem alguns bons momentos, arranca uma risada aqui e ali ou um esgar de sorriso. Vai pouco mais além que isso e em várias cenas é notório o esforço de representação para nos fazer sorrir.
A história começa numa universidade provinciana onde o Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e sua estudante de doutoramento, Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence), pesquisam o funcionamento do universo quando descobrem que a Terra está no caminho de um cometa grande o suficiente para ser colocado o fim do planeta Terra. Desesperados para contar a alguém que pode fazer algo para evitar essa catástrofe, eles partem para uma odisseia que começa com a NASA e segue para a Casa Branca antes de colocá-los num carrossel de media, debates e claro a culminar no poder de julgamento das redes sociais.
O filme é certo oferece-nos muito em que pensar. Há também uma natureza poética e melancólica em toda a sua insanidade. Entre cenas surge-nos muitas vezes um ensaio visual que usa fotos da natureza, pessoas a viver com amor as suas vidas e imagens simbólicas (uma cobra a comer a sua própria pele). Uma escalada de emoções e o sentido de urgência do público.
O trabalho de McKay com DiCaprio é particularmente assinalável, em parte porque a trajetória de Mindy – de cientista honesto e preocupado, nervoso e tímido a uma celebridade expedita e exagerada – fortalece a verdade indizível e comovente do filme: o narcisismo humano e tudo o que ele causou, incluindo a destruição da natureza, serão no fim a nossa queda e destruição. No final das contas, McKay o que faz neste filme é gritar connosco, e nós merecemos, talvez, afinal o Inferno somos nós!