Dia sim dia também, uma nova controvérsia envolvendo o festival aparece nos holofotes. Começou com acusações de censura contra o diretor do festival e acabou em protesto no tapete vermelho ontem a noite, enquanto George Miller e sua produção se preparava para a estreia de Three Thousand Years of Longing.
Como reportamos aqui na terça-feira, a série de controvérsias da 75ª edição de Cannes começou já na primeira conferência de imprensa do júri, no primeiro dia do festival, onde o realizador iraniano Asghar Farhadi teve de responder uma pergunta sobre o caso de plágio pelo qual foi acusado pelo seu filme “Um Herói”, grande prémio do júri em Cannes o ano passado. Quando perguntado sobre o que achava de “uma colega mulher poder receber 74 chicotadas como punição” no caso de ele ser absolvido, o realizador tentou não perder a linha e disse que era tudo fake news.
No segundo dia, o novo sistema de bilhetes do festival, que supostamente evitaria as famosas filas de Cannes, deu pane e deixou os quase 35 mil acreditados sem poder agendar os seus filmes. O crash se estendeu por vários dias em diferentes horas do dia e o festival sugeriu num e-mail enviado à imprensa que provavelmente teria sido obra de ataques hacker, obrigando o festival a criar duas novas páginas para que os bilhetes pudessem ser agendados.
Como se o stress para os franceses não fosse o suficiente, no mesmo dia, algumas horas mais tarde, a revista Deadline publicou um artigo acusando o diretor do festival, Thierry Fremaux, de tentar censurar uma entrevista dada à publicação alguns dias antes. Após dar a entrevista, o francês voltou atrás e pediu para que algumas das suas respostas – nomeadamente sobre a presença do filme russo Tchaikovsky’s Wife na competição – fossem apagadas. A revista então enfurecida publicou o imbróglio num artigo que foi muito partilhado nas redes sociais. O pequeno escândalo foi tanto que o festival teve de improvisar uma conferência com jornalistas na tarde de terça para dar explicações.
Visto que o festival proibiu jornalistas russos de publicações pró-Putin e delegações russas patrocinadas pelo Estado, Fremaux foi questionado sobre até que ponto Cannes estava preocupado com o fato de o oligarca russo Roman Abramovich ser um dos patrocinadores do filme do realizador dissidente Kirill Serebrennikov (agora vivendo em Berlim) que abriu a competição no segundo dia do festival.
Na sexta-feira de manhã, teve mais polémica. Desta vez envolvendo o júri da competição Tik Tok, a mais recente empreitada do festival com o seu mais novo parceiro de vídeos curtos, projetado para atrair audiências mais jovens. O celebrado cineasta cambojano Rithy Panh, que em 2020 e 2021 apresentou seus últimos dois filmes em competição na Berlinale Irradiés e Everything Will Be Ok, renunciava publicamente ao cargo de presidente do júri da competição inaugural do TikTok, citando “um desacordo persistente sobre a independência e soberania do júri”.
Em entrevista à Hollywood Reporter, o realizador disse “a dificuldade é que o TikTok é uma empresa focada em marketing e não entende os criadores e sua independência. Eles constantemente pediam relatórios sobre nosso progresso, mesmo que ainda não tivéssemos nem sequer nos conhecido pessoalmente”. O cineasta ainda acrescentou que a plataforma deu muitas “sugestões” sobre quem deveria ganhar os prémios, muitas vezes em favor das grandes produções feitas por criadores consagrados e para as obras com menos teor político.
Para acabar o dia de ontem, no começo da noite enquanto a produção de Three Thousand Years of Longing de George Miller se preparava para entrar no Palais, uma ativista quase nua com as palavras “STOP RAPING US” e a bandeira ucraniana pintada no peito invadia o tapete vermelho. A ação protestava contra a “tortura sexual” e o estupro como arma de guerra na Ucrânia. Além da bandeira ucraniana no peito, a ativista tinha marcas de mãos vermelhas pintadas na barriga e na sua roupa íntima. Os seguranças do evento correram para cobrí-la e os protestos no Twitter começaram.
On the Cannes red carpet for George Miller’s new movie, the woman in front of me stripped off all her clothes (covered in body paint) and fell to her knees screaming in front of photographers. Cannes authorities rushed over, covered her in a coat, & blocked my camera from filming pic.twitter.com/JFdWlwVMEw
— Kyle Buchanan (@kylebuchanan) May 20, 2022
O festival vai apenas a meio do caminho, ainda no seu quinto dia. Se continuar neste ritmo de distrações, ficará mais conhecido pelas controvérsias do que pelo que realmente importa, os filmes.